27
Plínio retornara à cidade com o espírito inquieto.
Naquela noite, ansiava por uma experiência que transcendesse a monotonia cotidiana; buscava, sobretudo, a excitação que apenas o calor de uma presença feminina poderia oferecer. A alguns quilômetros da cidade, na direção da capital, localizava-se um salão notório, um espaço onde as convenções sociais se desvaneciam e desejos reprimidos encontravam vazão.
Ordenou ao cocheiro que conduzisse a carruagem até o local, evitando alardes. Ao chegarem, Plínio optou por uma entrada discreta, acessando o edifício pela porta dos fundos. Sua posição social o tornava vulnerável a escândalos, e, em uma cidade de proporções tão diminutas, o rumor de sua presença em tal ambiente poderia converter-se em manchete matinal.
Considerando o imbróglio em que se metera com Januária — ainda que sem plena intenção —, era inegável que teria de prestar contas ao pai da moça. Afinal, ele se casaria não com sua filha, mas com uma jovem de estirpe nobre, mais condizente com sua posição social. Diante disso, teria que agir com redobrada cautela; pois, caso chegasse aos ouvidos de Margareth que frequentava tais estabelecimentos, sua reputação diante dela ruiria, e ele não passaria de mais um pária aos seus olhos.
O salão era comandado por Dona Milu, mulher de notável perspicácia, cuja liderança mantinha a ordem em um espaço onde o caos era sempre uma ameaça latente. O ambiente era saturado pelo odor pungente de charutos, e o murmúrio de conversas descontraídas mesclava-se ao som de cartas sendo distribuídas nas mesas. Plínio, zelando por sua discrição, dirigiu-se ao segundo andar, ao passo que seu cocheiro descia para anunciar-lhe a chegada.
Dona Milu estava sentada ao centro do salão, rodeada por jogadores de cartas que acompanhavam seus movimentos com atenção reverente. O cocheiro aproximou-se dela com uma deferência silenciosa, inclinando-se ligeiramente para transmitir sua mensagem.
— Boa noite, madame Milu. Há um cliente distinto aguardando por vós no piso superior — sussurrou, com um tom que denotava a importância do recado.
Ela ergueu o olhar, avaliando a informação com uma expressão neutra, mas seus olhos, sempre atentos, captavam todas as sutilezas da situação. Após uma breve pausa, respondeu com firmeza:
— Informai-o de que estarei lá em instantes. Há um pequeno contratempo que preciso resolver antes.
Ao concluir, voltou-se para um jovem que estava à sua direita, um homem de postura ereta e presença austera, cuja reputação de mediador lhe conferia respeito entre os frequentadores do salão.
— Ocupai meu lugar, por gentileza. Certificai-vos de que o jogo continue sem perturbações até o meu retorno.
O homem assentiu com um leve gesto de cabeça, enquanto Dona Milu se levantava com a elegância de quem compreendia a importância de cada movimento. Subiu as escadas com passos firmes, preparando-se para lidar com o visitante cuja presença prometia alterar o curso daquela noite.
***
Madame Milu surgiu no topo da escadaria como uma visão etérea, trajando um vestido de seda japonesa em um amarelo vibrante que parecia capturar e refletir a luz ao seu redor. Plínio ergueu os olhos e a contemplou com um misto de fascínio e curiosidade, absorvendo cada detalhe de sua figura com a precisão de um observador atento.
Ao subir os últimos degraus, com uma leveza quase hipnótica, Milu fixou seu olhar em Plínio. Havia algo em sua postura, algo no modo como ele se mantinha ereto e confiante, que a intrigava. Quando ela finalmente alcançou o solo, estendeu-lhe a mão com elegância calculada.
— Senhor Plínio — disse ela, sua voz carregada de uma cadência suave, quase musical —, muito já ouvi falar sobre vós.
Plínio tomou-lhe a mão com uma reverência inesperada, mantendo o contato visual como se estivesse comprometido a desvendar os mistérios que ela ocultava.
— Espero, senhora, que sejam apenas boas referências — respondeu ele, com um tom que sugeria tanto ironia quanto sinceridade.
Milu sentiu um sobressalto em seu peito, algo tão raro que a pegou desprevenida. A intensidade de seu olhar a desconcertava de maneira peculiar; diferia dos olhares habituais que se perdiam em sua figura sem jamais alcançar sua essência.
— Certamente. Mas, permiti-me dizer que vossa reputação não faz justiça à pessoa que ora vejo diante de mim. Contudo, imagino que não tenhais vindo aqui apenas para entreter a anfitriã de um bordel.
Plínio inclinou-se ligeiramente, sua expressão grave suavizada por um sorriso enigmático.
— Talvez não, mas preciso admitir que, diante de tão distinta companhia, outros compromissos parecem irrelevantes.
Ela ergueu levemente uma sobrancelha, intrigada por sua escolha de palavras.
— Interessante. Falaram-me sobre vossa juventude, vossa fortuna e até sobre vosso encanto. Mas ninguém mencionou que também dominásseis a arte da persuasão.
Plínio respondeu com um sorriso discreto, seus olhos ainda fixos nos dela.
— Considero essa omissão uma bênção. Permite-me surpreender-vos. Haveria, por ventura, um lugar onde pudéssemos conversar com mais privacidade?
Milu hesitou por um breve momento, como se ponderasse as possíveis implicações de sua resposta. Então, num gesto natural e deliberado, ofereceu-lhe o braço.
— Certamente. Acompanhai-me.
Com um movimento fluido, ela o guiou pelos corredores silenciosos do andar superior, seus passos ecoando levemente no piso de madeira. Chegando à porta de seus aposentos, Milu girou a maçaneta e a empurrou com a mesma serenidade que definia sua presença.
— Sede bem-vindo, senhor Plínio — murmurou, fechando a porta atrás de si.
A atmosfera do aposento era dominada por um perfume sutil e pela luz amena de um abajur, criando um cenário tão intimista quanto o momento que compartilhavam.
Madame Milu possuía uma habilidade rara: a arte de encantar sem se comprometer. Desde o início, manteve-se reservada, como convinha à sua posição. Seu papel era prover entretenimento aos clientes, mas jamais se permitia cruzar os limites do profissionalismo. Contudo, naquela noite, a combinação entre a suavidade dos galanteios de Plínio, sua juventude e prestígio social, somada às três doses de conhaque, fez com que Madame Milu baixasse as defesas e se rendesse ao encanto que emanava daquele jovem.
O encontro foi intenso, marcado por paixão e desejo. Após entregarem-se um ao outro em três ocasiões, ambos sucumbiram ao cansaço, adormecendo lado a lado.
Plínio despertou às primeiras horas da madrugada. Madame Milu repousava como uma visão angelical: seus cabelos em desalinho espalhavam-se pelo travesseiro, emoldurando-lhe o rosto com uma graça etérea. Por um instante, ele ficou a observá-la, admirado pela beleza que parecia ainda mais sublime sob a penumbra da fraca luz do quarto.
Com cuidado, Plínio começou a se vestir, evitando fazer qualquer ruído que pudesse perturbar o sono de sua anfitriã. Já pronto, aproximou-se novamente dela. Com um gesto delicado, afastou-lhe uma mecha de cabelo que repousava sobre o rosto e depositou um beijo suave em sua pele. Inclinando-se, sussurrou:
— Obrigado por esta noite inesquecível, Madame Milu.
Deixando uma quantia sobre o criado-mudo — muito além do que considerava usual para tais ocasiões —, ele saiu em silêncio, fechando a porta atrás de si.
Do lado de fora, o cocheiro o aguardava pacientemente, encostado na carruagem e distraído com o tabaco que queimava entre os dedos. Assim que Plínio subiu à carruagem, o cocheiro apagou o cigarro e assumiu seu lugar, conduzindo-os de volta à escuridão da noite.
Ainda deitada, Madame Milu despertou suavemente, percebendo a ausência do visitante. Dirigiu-se à janela e, com o olhar atento, acompanhou a carruagem que se afastava, até que a silhueta desaparecesse por completo na neblina que envolvia a rua. Retornando à cama, seus olhos recaíram sobre o dinheiro deixado sobre o criado-mudo. Um sorriso enigmático curvou seus lábios antes de ela se aninhar novamente entre os lençóis e se entregar ao descanso.
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