24
Após um generoso café da manhã, Plínio montou em seu cavalo, decidido a realizar um reconhecimento mais minucioso dos campos de plantação da propriedade. Seu percurso o levou, inicialmente, à vila que abrigava os empregados da fazenda. Embora jamais houvesse se aventurado por ali, sabia, por relatos de seu pai, que este costumava fazer visitas à vila ao menos uma ou duas vezes por ano.
Ao adentrar o vilarejo, Plínio deparou-se com uma cena que, a princípio, lhe causou uma sensação desconcertante. As casas, construídas predominantemente com barro e palha, apresentavam um aspecto rudimentar. A maioria dos telhados era feita de sapê ou taquara batida, materiais típicos de construções simples e precárias. Contudo, havia uma exceção notável: uma casa mais robusta, com telhado de telha cumbuca — a moradia do capataz, como Plínio descobriria mais tarde.
Crianças de narizes sujos brincavam nas ruas de terra vermelha, e, ao avistarem Plínio se aproximando, imediatamente saíram correndo, gritando em alarde por suas mães, como se aquele estranho cavaleiro representasse ameaça iminente. Em um piscar de olhos, mulheres surgiram às janelas de suas casas, observando-o com olhos desconfiados. Quase todas eram negras, com semblantes que exalavam a marca do cansaço e da luta constante, e raramente Plínio conseguia vislumbrar nelas o frescor da juventude.
Ao se aproximar da casa do administrador, Plínio desceu do cavalo e bateu palmas — um gesto de cortesia que ressoou na quietude do vilarejo. Não demorou para que uma mulher de aparência madura, possivelmente nos seus quarenta anos, surgisse à porta. Enxugava as mãos num avental simples e, ao avistar o patrão, abriu um sorriso cordial, ainda que ligeiramente constrangido.
— Bom dia, senhor. Que ventos o trazem até aqui? — disse ela, com voz grave, mas respeitosa.
Plínio, com um movimento sereno, retirou o chapéu e respondeu, ponderando as palavras:
— Bom dia. Estou apenas realizando um reconhecimento das terras. Nunca antes visitara esta vila. O administrador encontra-se disponível?
A mulher lançou-lhe um olhar breve e estudioso e indicou com a cabeça que ele estava em casa.
— Está sim, patrão. Um momento, vou chamá-lo. Queira entrar, por favor.
Plínio, no entanto, recusou gentilmente o convite, preferindo manter-se ao ar livre, como se a proximidade com o ambiente tivesse mais a lhe oferecer do que a intermediação da casa.
— Não é necessário. Prefiro aguardar aqui mesmo.
A mulher, sem demonstrar surpresa, adentrou a casa. Plínio aproveitou o momento para observar os arredores. A estrutura modesta das habitações, a austeridade do ambiente e os olhares silenciosos que o espreitavam das janelas criaram-lhe um desconforto crescente. O vilarejo era um retrato cruel da desigualdade que permeava a fazenda — uma realidade dura, calcada no sofrimento e no silêncio da classe trabalhadora.
Quando o administrador finalmente apareceu, revelou-se um homem de porte médio, com o rosto sulcado pelas agruras do trabalho e pela responsabilidade de governar a vida alheia. Sua postura era reverente, mas sua expressão trazia a tensão dos que sabem que a presença do patrão é mais um peso que se impõe.
— Bom dia, jovem Plínio. Uma honra tê-lo por aqui. Em que posso servi-lo?
Plínio, após breve pausa, observou o homem com mais intensidade que de costume, como se tentasse penetrar o âmago daquela realidade desconcertante. Por fim, respondeu com firmeza, embora civilizado:
— Bom dia. Gostaria de conversar consigo e conhecer melhor a vida na vila. Acompanhe-me, por obséquio.
O administrador, visivelmente surpreso com o pedido, não hesitou em segui-lo.
— Pois não, senhor. Ao seu dispor.
E assim iniciaram uma caminhada silenciosa pelo vilarejo. A mente de Plínio mergulhava em reflexões mais profundas — talvez, pela primeira vez, tomando plena consciência da disparidade entre sua vida confortável e a dura realidade daqueles que sustentavam a fazenda.
— Qual é o seu nome? — inquiriu, de modo direto.
— Senhor, meu nome de batismo é Euclides, mas todos me chamam de Caleb. É o nome de meu avô materno. Minha mãe queria que eu fosse registrado assim, mas meu pai insistiu em homenagear o próprio pai — explicou, em tom respeitoso.
— Entendido, senhor Caleb. Diga-me: por que tenho a impressão de que estas pessoas vivem aqui como escravas?
— Bem, senhor, seu pai sempre foi bom com elas. Essas famílias estão aqui porque querem. Muitas estão conosco desde o tempo do seu bisavô. Algumas eram escravizadas, mas, após a Lei Áurea, optaram por permanecer. Em troca, recebem moradia, roupas e alimento — respondeu Caleb, com naturalidade.
— Como é possível? E meu pai consentia com isso? — exclamou Plínio, incrédulo.
— Senhor, é escolha delas — repetiu o administrador, impassível.
O sangue de Plínio ferveu.
— Posso entrar nas casas para ver como vivem?
— Claro, senhor. Afinal, o senhor é o patrão...
Guiado por Caleb, Plínio entrou na primeira residência. Deparou-se com um ambiente austero e miserável. Uma senhora idosa, de olhar profundo e expressão exausta, jazia sobre uma cama rudimentar feita de madeira, coberta por esteiras de taboa. O ar estava impregnado de odor de urina. A mulher parecia desnutrida. A única outra ocupante era uma jovem, aparentando entre catorze e quinze anos.
— Qual é o seu nome, minha jovem? — perguntou Plínio, com voz suavizada.
— Perdão, senhor. Chamo-me Jacinta — respondeu ela, tímida.
— Quantas pessoas moram aqui, Jacinta?
— Eu, minha avó, meu pai e meu irmão mais velho. Eles estão no canavial agora.
Plínio agradeceu e dirigiu-se à próxima casa. Em todas, a realidade era a mesma: precariedade absoluta. Algumas famílias criavam porcos, tentando garantir carne para o sustento. Após visitar todas as casas, retornou à residência do administrador. Lá, o contraste era avassalador: móveis bem acabados, ambiente confortável, aroma de café fresco. A esposa de Caleb ofereceu-lhe uma caneca da bebida, que ele aceitou com relutância, enojado com tudo quanto testemunhara.
— Senhor Caleb, de onde os moradores obtêm o básico para a subsistência? — perguntou, em tom grave.
— Seu pai mantém uma venda aqui mesmo. Eles pegam o que precisam, e o custo é descontado do salário. Normalmente, acabam devendo mais do que podem pagar — explicou Caleb.
— Entendo... E quem administra essa venda?
Caleb respondeu, mas Plínio já não o ouvia. Montou em seu cavalo e partiu, perturbado. Sabia que não poderia ignorar o peso daquela descoberta.
25
Plínio retornou à sede da fazenda Barro Preto com o espírito carregado. A visita aos setores produtivos — do engenho à fábrica de queijos, passando pela vila e os terreiros de café — revelou-lhe não apenas os meandros da propriedade, mas as feridas de um sistema corroído pela desigualdade.
Já passava das duas da tarde quando desmontou do cavalo. Entregou as rédeas a um empregado, com a habitual recomendação: que o animal fosse escovado e alimentado com forragem enriquecida, para garantir o brilho da pelagem. Ainda que atento aos detalhes, sua mente insistia nas cenas do vilarejo da Gruta dos Negros.
Ao adentrar a casa — com seus pisos de madeira polida e móveis de mogno que exalavam o peso de gerações — foi recebido por Demétrius, o mordomo da família. Este, sempre perspicaz, logo notou a inquietação no semblante do patrão.
— Está tudo bem, senhor? O senhor parece... transtornado. Algo saiu errado na visita?
Plínio suspirou, tirando as luvas com lentidão, como quem busca ordenar os pensamentos.
— Não pergunte, Demétrius. Apenas sirva-me um conhaque na biblioteca. Precisamos conversar.
— Perdoe-me, senhor, mas não seria melhor almoçar antes? A mesa foi recolhida, mas posso providenciar algo... O conhaque talvez fosse mais bem-vindo após uma refeição.
O olhar firme de Plínio foi resposta suficiente. Compreendendo o recado, Demétrius o conduziu até a biblioteca. Enquanto servia a bebida em taça de cristal, arriscou:
— O que houve, senhor? Algo tão grave assim?
Plínio tomou o copo, mas não bebeu. Fitou um ponto distante antes de falar:
— É inconcebível, Demétrius. Não entendo como meu pai podia ser tão distinto dentro de casa e tão desumano com os empregados.
— Sempre achei que fosse justo, senhor. Enviamos mantimentos todos os meses. Ele tinha especial cuidado com aquele povo...
— Então você nunca esteve na Gruta dos Negros. O que vi lá foi um espetáculo de abandono. Casas que mal se sustentam, velhos doentes, crianças desnutridas. Foram relegados à miséria, como se não servissem mais à fazenda.
Demétrius ponderou.
— Talvez, depois que a senhora sua mãe faleceu... seu pai se afastou de tudo.
— Não. Não vou culpar o luto. Isso vem de antes. É um sistema que minha família tolerou por gerações — disse Plínio, com voz embargada.
Virou o conhaque num só gole e retomou:
— Preciso mudar isso. Imediatamente.
— E o que pretende fazer, senhor?
— Primeiro, chame o doutor Ladislau. Que examine todos no vilarejo. Segundo, vá à venda e confira os registros de Jacob. Aquilo me cheira a fraude.
— Compreendo... mais alguma coisa?
— Sim. Preciso tomar uma decisão. Gostaria de seu conselho.
— Se estiver ao meu alcance, senhor...
— Não creio que meu pai voltará a ser o mesmo. Diante disso, decidi que me casarei. Preciso passar uma imagem de homem de família, para que me levem a sério.
— Pois, nesta sociedade conservadora, tal decisão é mesmo urgente... E a pretendente é quem imagino? Se for, permita-me dizer: não será aceita.
— Não é Januária. Justamente pelo que você já percebeu. Ela é incrível, mas não tem o preparo necessário para lidar com as convenções de nossa posição.
— Então... compreendo. A escolhida é a senhorita Margareth.
— Sim. Já a encontrei em duas ocasiões. É bela, instruída, estudou na capital... Além disso, pertence a uma família respeitável.
— Mas o senhor Everaldo...
— Sim. Ele já me confrontou por causa de Januária. É aí que preciso de seu conselho. Ele me viu crescer. Não quero mandá-lo embora. Tampouco tolerarei ser afrontado.
Demétrius franziu o cenho.
— O que quer dizer com “decisão mais definitiva”?
— Quero dizer que, embora o respeite, não admitirei desrespeito. E mais: se minhas suspeitas quanto ao senhor Caleb se confirmarem, será dispensado. E colocaremos Everaldo como administrador. Creio que aceitará melhor a situação da filha.
O mordomo assentiu, compreendendo a gravidade do momento. Ao se afastar, Plínio completou:
— Ah... e mande preparar um banho. Depois disso, vou comer algo. Mais tarde, preciso ir à cidade.
— Sim, senhor — respondeu Demétrius, já ciente de que uma nova era se anunciava na fazenda Barro Preto.
P.S.: Se você ainda não leu o capítulo 22-23 da série de contos Entre a Vida e a Morte, corra lá e confira! Quem já leu, disse que está impecável.