FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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O dia rompia sob aguaceiro cerrado. Corisco despertou ao fragor da chuva que desabava com ímpeto. Saltou do leito, achegou-se à vidraça e, ao ver a tormenta persistente, apressou-se em vestir-se antes de descer ao salão.

 

— Muito bom dia, senhor Joseph — cumprimentou Corisco, dirigindo-se ao estalajadeiro. — Haveria, por ventura, uma bacia ou algum recanto onde possa eu lavar o rosto?

 

— Muito bom dia, cavalheiro...?

 

— Plínio Rufino Filho é o meu nome, mas podeis tratar-me por Corisco, como assim o fazem todos.

 

— Perfeitamente, senhor Plínio. Há uma tina d’água junto à latrina. Ali podereis vos refrescar.

 

Corisco dirigiu-se ao lugar indicado e ali lançou água ao rosto. Ao regressar ao salão, deu com o doutor Ladislau, que adentrava o recinto, tendo o casaco molhado da chuva.

 

— Bons dias, jovem Plínio. Ao que tudo indica, hás de convir que nos convém aguardar até que cesse a tormenta. Com tal aguaceiro, os caminhos tornam-se pura lama, e arriscar viagem em tais condições só serviria para extenuar os animais.

 

— Concordo convosco, doutor. Sentemo-nos para um desjejum; quiçá, até findar da refeição, se dissipe a tormenta e possamos seguir viagem.

 

— Já deixei recomendação aos cocheiros para que alimentem bem os cavalos. Assim que a estrada se mostrar transitável, retomaremos o caminho.

 

Assentaram-se à mesa e, em breve, o taberneiro trouxe-lhes farofa de ovos, chouriço frito e bom café quente.

 

A chuva demorou-se em cessar. O sol insinuou-se entre as nuvens já sendo hora adiantada — passava das dez. Resolveram então aguardar o repasto do meio-dia, e somente após este seguiram viagem.

 

 

***

 

Apesar de ter sido intensa a chuva pela manhã, o sol firmou-se com vigor ao longo da tarde, permitindo que a jornada se desse em bom passo. Quando caiu a noite, já restavam apenas poucas léguas até a cidade de Pacas. Após dar água aos cavalos, os viajantes retomaram o caminho, seguindo noite adentro.

 

A lua, em seu quarto crescente, derramava luz prateada sobre o caminho. O céu, límpido, parecia desejar boa ventura aos que viajavam sob sua guarda. A claridade era bastante para guiar-lhes os passos, e a estrada, ainda úmida da tormenta, tornara-se serena.

 

Por fim, à uma hora da madrugada, adentraram os primeiros arredores de Pacas.

 

— Eis que, enfim, chegamos, jovem Plínio — disse o doutor Ladislau, com alívio.

 

— Por fim, doutor. Já anseio pelo meu leito. Sinto que a estrada me roubou toda a força dos membros.

 

— Pois bem, meu caro. Os cavalos cumpriram com galhardia sua tarefa. O melhor agora é que aceite pouso em minha residência. Enquanto os animais descansam, o senhor também repousa. E, ao raiar do dia, segue com calma para a fazenda.

 

— Está bem, doutor. Mas não desejo ser-lhe incômodo.

 

— Ora, faça-me o obséquio, jovem. Não será incômodo algum — antes, um prazer recebê-lo.

 

 

***

 

Corisco despertou. Ao longe, ouvia-se o ranger das rodas de um carro de boi, o trotar apressado de cavalos e vozes difusas que se cruzavam pelas ruas. Abriu os olhos vagarosamente, espreguiçando-se com languidez. Logo percebeu que se encontrava em aposento estranho ao seu costume.

 

Ergueu-se. O quarto achava-se mergulhado em penumbra, salvo por um tênue facho de luz que escapava pela fresta da janela. Aproximou-se, abriu as folhas, e a claridade da manhã inundou-lhe o rosto com o calor suave do sol nascente.

 

Diante de si, estendia-se a praça principal da cidade de Pacas. Os transeuntes iam e vinham — uns a pé, outros montados a cavalo — entre carruagens e carroças que circulavam pelo entorno. Ao longe, avistou algumas mulas carregadas de tarros de leite, paradas diante da queijaria. Dois homens, com destreza, as descarregavam.

 

Enquanto se detinha a observar o bulício matinal da praça, ouviu-se uma batida discreta à porta de seu aposento.

 

— Entre! — disse Corisco.

 

A porta abriu-se com brandura, revelando a figura do doutor Ladislau.

 

— Bom dia, doutor Ladislau.

 

— Muito bom dia, jovem Plínio. Dormistes bem?

 

— Como há dias não dormia, doutor. Agradeço de coração por vossa acolhida.

 

— Fico alegre em ouvir tais palavras. Não tendes de quê. Preparai-vos — o desjejum será servido dentro em pouco. Aguardamo-vos na sala.

 

— Já desço, doutor. Muito obrigado, mais uma vez.

 

Quando Plínio desceu, o doutor Ladislau estava à mesa do desjejum com sua esposa.

 

— Junte-se a nós, jovem Plínio — disse o doutor Ladislau. — A Januária vai lhe servir; é simples, mas feito com carinho.

 

— Muito obrigado, doutor...

 

— Temos café com leite e café puro — disse a empregada —, o que deseja?

 

— Café puro, por obséquio, e uma fatia dessa broa de fubá, que parece estar deliciosa.

 

Enquanto Januária o servia, Plínio dirigiu-se ao doutor Ladislau:

 

— Doutor, não querendo abusar de sua hospitalidade, mas... será que meus empregados poderiam permanecer aqui mais um pouco? Desejo ir à casa de minha irmã para dar-lhe notícias de nosso pai. Ela deve estar preocupada.

 

— Mas é claro, sem problema algum. Se quiser, pode levar um dos meus cavalos e deixar os seus descansando.

 

— Agradeço. Tal gesto me será de grande valia.

 

— Não me agradeça. Já mandarei que lhe preparem o melhor cavalo. Túlio! — exclamou Ladislau ao serviçal que estava junto à porta entre a sala de jantar e a copa —, mande selar o Morfeu. O jovem Plínio irá montá-lo.

 

— Sim, senhor — respondeu Túlio, já girando nos calcanhares.

 

— Hás de gostar, jovem Plínio — disse o médico. — Morfeu é um potro novo, bom de sela como poucos.

 

— Muito obrigado, doutor.

 

 

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Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 25/05/2025
Alterado em 28/05/2025
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