FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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O dia nascia lentamente na Fazenda Barro Preto. Os primeiros raios de sol iluminavam o vale com delicadeza. Na cozinha, os empregados já se encontravam reunidos à mesa da criadagem, saboreando café coado no pano com batata-doce assada. Outros preferiam um mingau de fubá bem quente, acompanhado de uma generosa lasca de queijo.

 

Na casa-grande, pairava uma quietude estranha. Com o falecimento da senhora e o patriarca levado às pressas para a capital, na companhia de Curisco, restava pouco a se fazer na cozinha. Os criados agora cozinhavam apenas para si mesmos. Os dias passavam sem pressa, quase sem rumo.

 

Demétrius passava boa parte do tempo sentado na varanda, com os olhos fixos na porteira, como se esperasse que a qualquer instante alguém importante fosse surgir por ali. Já se haviam passado sessenta dias, e nada. Nenhuma notícia dos patrões, nenhum cliente se manifestava, e os pagamentos começavam a atrasar. Os trabalhadores ainda recebiam em dia, mas as demais contas se acumulavam silenciosamente.

Enquanto ele mergulhava em seus pensamentos, a cozinheira-chefe adentrou a varanda.

 

— Bom dia, seu Demétrius. O senhor não veio tomar o café com a gente?

 

— Ando meio sem fome, dona Firmina...

 

— Ah, não diga isso, senhor. Precisa comer nem que seja um bocadinho. Se não, adoece. Já basta o que aconteceu com os patrões.

 

— Estou preocupado... já faz tanto tempo que foram para a capital e ainda não tivemos notícia. Não sei se ele está bem ou se...

 

— Deus há de querer que esteja. Vai ver que já está se recuperando.

 

— Deus queira... Dona Firmina.

 

Demétrius baixou os olhos, fitando as próprias botas. Sentia um nó na garganta ao recordar o estado de saúde do patrão quando fora levado.

 

— Ele deve estar bem... — murmurou, como quem tentava se convencer. — Notícias ruins sempre correm depressa.

 

— Pois é, se Deus quiser, ele há de voltar são e salvo — disse a cozinheira, com serenidade. — Eu estava até pensando... se o senhor permitir, queria ir até a cidade visitar meus pais. Aqui tá tudo parado. Sem os patrões, não há muito o que cozinhar. Posso ir depois do almoço e volto antes de escurecer.

 

— Pode ir, sim. Não tem muito o que fazer por aqui mesmo. Só peça que alguma de suas moças fique na cozinha, caso apareça alguma visita inesperada.

 

— Pode deixar, senhor. Vou deixar as meninas por lá, qualquer coisa que o senhor precisar, é só chamar.

 

***

 

Na residência da irmã de Plínio, a inquietação era comum a todos. A ausência de notícias acerca do estado de saúde do patriarca lançava grande sombra sobre o coração de Julieta.

 

Achavam-se todos à mesa, a tomar o desjejum.

 

— Minha querida, tenho percebido que vossa senhoria não tem repousado com tranquilidade — disse-lhe Marcel, seu esposo, com voz suave. — Mal se alimenta... comeis como um passarinho, quando comeis.

 

— Estou aflita, meu bem... Já se vão dois meses desde que meu irmão levou nosso pai à capital, e desde então não nos chega palavra alguma. Ignoramos se restabelece ou se já partiu deste mundo... Essa incerteza me corrói a alma.

 

— Não vos aflijais tanto. As más novas sempre chegam depressa, minha amada. — respondeu Marcel, levando um naco de broa à boca. — Hoje não virei almoçar. Cumpre-me organizar um carregamento que parte para a capital.

 

— Pois bem, meu amor. Aproveitarei a manhã para ir à igreja, falar com o pastor sobre os preparativos para o almoço dominical.

 

— Muito bem, ide... Talvez isso vos auxilie a distrair o espírito um pouco.

 

***

 

O dia já se esvaía, e a noite se avizinhava com seu manto escuro e silencioso. Corisco e o doutor Ladislau vinham a engolir a poeira da estrada desde as seis da manhã, tendo parado apenas para uma refeição ligeira. Os cavalos, exaustos, já não mantinham o mesmo trote. Pararam, então, para atender às necessidades do corpo, e as duas carretas com as provisões e os ajudantes detiveram-se logo atrás.

 

— Doutor, creio que, se não encontrarmos uma taverna em breve — disse Corisco, ao surgir detrás de uma moita —, teremos de acampar à beira da estrada.

 

— Não, meu caro Corisco — respondeu o doutor, com semblante tranquilo —, a cerca de meia hora há uma estalagem onde poderemos cuidar dos animais, tomar uma refeição decente e, quem sabe, um bom banho.

 

— Pois então, doutor, sigamos antes que a noite se faça por completo. Os cavalos necessitam de água fresca e boa forragem.

 

Retomada a coragem, seguiram pela estrada em busca do almejado abrigo. Já era noite cerrada quando avistaram as luzes da estalagem. Ao adentrar o recinto, um sujeito robusto, de feições europeias, lhes veio ao encontro.

 

— Boa noite, senhores! Em que posso servi-los? Chamo-me Joseph — disse o homem, com acento italiano. — Temos quartos confortáveis e boa forragem para os cavalos.

 

— Perfeito, meu senhor — respondeu o doutor —, carecemos de alimento quente e água fervente para o banho.

 

— Pois muito bem, já mandarei providenciar. Acomodem-se às mesas, que logo serão servidos.

 

Mais tarde, instalados em seus aposentos, já lavados do pó do caminho e trajando roupas limpas, dirigiram-se ao salão para a ceia.

 

— Agora sim, jovem Plínio, sinto-me outro homem — disse o doutor Ladislau, espreguiçando-se com satisfação. — Uma semana sem banho é provação que pesa na alma. Tomarei uma dose de conhaque e recolher-me-ei ao quarto. Se Deus quiser, amanhã já dormiremos em casa.

 

— Digo o mesmo, doutor — respondeu Plínio —, exceto pelo conhaque, que dispenso de bom grado. Mas, se Deus permitir, amanhã mesmo estaremos de volta ao lar.

 

 

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Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 22/05/2025
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