FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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A ala dos alienados era de causar tristeza. O ar, pestilento e opressivo, exalava um cheiro nauseabundo — mescla de urina, fezes e suor velho — que se impregnava nas narinas como maldição. Pelos corredores, transitavam os infelizes internos: alguns, envergando camisas de força; outros, de aspecto quase normal, caminhavam como se nada lhes faltasse à razão. Havia os que falavam com alguma lucidez; outros, porém, apenas balbuciavam sons desconexos, imitando, por vezes, o grunhido de feras. Uns poucos se expressavam com notável articulação, demonstrando cultura no dizer, como se o espírito estivesse lúcido, ainda que a alma padecesse.

 

O doutor Ladislau, incapaz de suportar o odor pútrido que lhe subia às ventas, sacou de um lenço que trazia no bolso do casaco e o levou ao nariz, buscando alívio. Já Corisco, homem do sertão, afeito aos cheiros do curral, das pocilgas, das aves e mesmo ao fétido hálito de bichos mortos sob o sol, não se mostrou abalado. Para ele, aquilo tudo era apenas parte do mundo.

 

— Este lugar dá-me ânsias! Não compreendo como criaturas humanas aqui resistem — exclamou Ladislau, com asco.

 

— Pois veja, doutor — respondeu a enfermeira que os guiava com passo resoluto —, os que aqui chegam já perderam o juízo. Muitos nem sabem mais quem são. Uns poucos se restabelecem, é verdade, mas a maioria... ah, doutor... sai daqui envolta em mortalha.

 

Após longa travessia pelos corredores, chegaram enfim ao quarto do velho Rufino. Quando a enfermeira abriu a porta, Corisco estacou, tomado de emoção. Ali jazia seu pai, outrora homem de fibra, agora reduzido a um corpo inerte, contido por ataduras à cama.

 

Aproximou-se Corisco com cautela. Tomou a mão paterna entre as suas, sentindo-lhe a pele fria. O semblante do velho parecia calmo, mas não reagiu ao toque do filho.

 

— Não entendo... Por que o mantêm amarrado? Parece-me estar em letargia, como se em transe profundo.

 

— O doutor viu-se forçado a sedá-lo — disse a enfermeira. — Durante a noite, tornou-se violento. Precisamos contê-lo para evitar danos.

 

— Isso me parece desumano. Desejo falar com o médico responsável.

 

— Ele encontra-se, neste momento, assistindo uma paciente. Se desejarem, podem aguardar na recepção. Irei avisá-lo.

 

Corisco e o doutor Ladislau aguardaram por longo tempo, até que o médico, já próximo da hora do almoço, lhes apareceu.

 

— Bom dia, senhores. A enfermeira Gertrudes informou-me de que desejam falar comigo.

 

— Bom dia, doutor — disse Ladislau, com modos corteses. — Sou médico da família Rufino, e este jovem é seu filho. Viemos saber por que o velho se encontra contido à cama.

 

— O ancião teve um episódio durante a madrugada. Chamava insistentemente pela esposa, perturbando o sossego da ala. Ao tentarmos acalmá-lo, reagiu com agressividade. Não houve outro remédio senão sedá-lo e atar-lhe os membros — explicou o médico com ar grave.

 

— E já tendes algum diagnóstico? — indagou Ladislau.

 

— Ainda não. Trata-se, ao que me parece, de um quadro de exaustão mental profunda. Preciso de tempo. Se me concederem seis meses, creio que posso restituir-lhe a lucidez.

 

Corisco lançou um olhar ao doutor Ladislau, que respondeu com um encolher de ombros. Então perguntou:

 

— E quanto nos custará tal tratamento?

 

— Nada, meu rapaz. Trata-se de hospital público. E, no presente, o melhor a fazer é deixá-lo aqui, onde receberá os cuidados necessários.

 

Corisco quedou-se pensativo. Se por um lado desejava o bem do pai, por outro não podia abandonar a fazenda por tanto tempo. Ainda que contasse com o capataz e com Mordomo Demétrius, que sabiam bem os meandros da lida, seis meses parecia demasiado.

Por fim, disse:

 

— Poderia eu ter uma palavra em particular com Vossa Senhoria?

 

— Pois não. Acompanhe-me à minha sala.

 

Deixaram Ladislau na recepção, e seguiram ambos para a sala do médico. Lá chegando, Corisco sentou-se diante da mesa, enquanto o doutor pendurava o jaleco num cabide de madeira.

 

— Pode falar, meu caro — disse o médico, sentando-se com expressão serena.

 

— Doutor, compreendo a necessidade da internação. Contudo, não temos parente nesta urbe, nem estada. Não me é possível ausentar-me por tanto tempo da fazenda.

 

O médico levou a mão ao queixo, pensativo.

 

— De fato, visitas familiares seriam de grande valia para o restabelecimento. Todavia, se não houver meios, deixe ao menos um endereço confiável. Assim que seu pai estiver apto a regressar ao lar, comunicaremos.

 

— Perfeitamente, doutor. Deixarei o endereço do doutor Ladislau. Ele reside na cidade e poderá me fazer chegar a notícia com presteza.

 

Na volta ao hotel, Corisco e Ladislau tomaram uma lauta refeição e repousaram o restante da tarde, entregues à exaustão do dia. Ao romper da manhã, tomaram o caminho de regresso à fazenda.

 

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Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 19/05/2025


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