FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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CORISCO ingressou no recinto hoteleiro num momento já avançado da manhã, a luz solar atingindo seu zênite. Enquanto isso, o erudito Dr. Ladislau concluía os últimos ajustes antes de se aventurar pelas ruas em busca de um desjejum — uma rotina cuidadosamente planejada para nutrir corpo e mente.

 

– Bom dia, nobre doutor! – proclamou Corisco ao adentrar o aposento e se lançar sobre o leito.

 

– Bom dia, jovem Rufino. Como foi tua noite sob o manto estrelado?

 

– Foi uma noite magnífica, doutor. Sinto-me cativado, apaixonado. Ela é a essência da beleza, a perfeição personificada – confessou Corisco com fervor.

 

Ladislau, que realizava sua higiene matinal, emergiu do banheiro com o olhar carregado de indagações, mas conteve-se. Com gestos meticulosos, tomou o pente sobre o criado-mudo, deslizou-o pelos cabelos e pela barba, antes de declarar:

 

— Rogo-te perdão, meu estimado. Ao que tudo indica, tua noite revelou-se auspiciosa. Buscaste, quiçá, o calor de um corpo alheio, o lenitivo de um afeto passageiro. Contudo, cumpre-me advertir-te, com fraternal zelo: as damas que habitam tais recantos não são dadas ao amor verdadeiro, mas antes exercem ofício. Não te deixes, pois, iludir pelo enlevo dos gestos ou pelo ardor dos corpos. Agora vamo-nos, hora de nos nutrir. Às nove horas, encontraremos o doutor do centro psiquiátrico para esclarecer as condições de teu pai.

 

– Vamos, doutor, estou faminto, seria capaz de comer um boi! – bradou Corisco, saltando da cama com vigor renovado.

 

***

 

PERCORRERAM cerca de três quadras até encontrarem um estabelecimento gastronômico que atendesse aos seus padrões matutinos. O Dr. Ladislau, guiado por seus hábitos refinados, optou por uma xícara de café, biscoitos de polvilho e ovos cozidos. Corisco, mais impulsivo e alheio à convenção, requereu ovos fritos com farinha e um refogado de mortadela com tomate — pratos usualmente reservados para o almoço.

 

Durante a espera, o silêncio prevaleceu, permitindo a harmonia regida pelo casal que gerenciava o local: um espanhol e uma portuguesa. O homem exibia figura imponente, com olhar austero e um robusto bigode adornando os lábios. A mulher, de porte elegante, circulava graciosamente entre as mesas, mantendo um sorriso nos lábios e reabastecendo as canecas de café.

 

Com a chegada dos pratos, Ladislau, fiel à etiqueta, acomodou o guardanapo sob o queixo e iniciou seu desjejum com compostura. Corisco, jovem impetuoso, entregou-se à refeição com voracidade, como se temesse que a comida escapasse de seu prato. Levava à boca garfadas sucessivas, intercalando mordidas de pão com goles apressados de café. Diante da cena, Ladislau não pôde conter uma observação:

 

– Tranquilize-se, meu caro. A comida não está prestes a evadir-se – ponderou, com voz serena.

 

Corisco interrompeu seu festim e lançou um olhar ao redor, deparando-se apenas com os semblantes atentos do casal de proprietários, ambos sorridentes — especialmente a portuguesa.

 

– Perdoe-me, é que a fome me assola – disse ele entre as mordidas – e este refogado é uma verdadeira iguaria.

 

– Outra xícara de café? – ofereceu a portuguesa, reabastecendo sua caneca. – Notei seu apreço pelo nosso refogado de mortadela.

 

– Sim, é verdadeiramente saboroso – concordou Corisco.

 

– Anteriormente, servíamos chouriço com pão, mas nem todos apreciavam. Desde que mudamos para mortadela com tomate e pimentão, nossa clientela aumentou significativamente – explicou ela.

 

– Se a senhora pudesse me conceder mais uma porção, ficaria imensamente grato – solicitou Corisco.

 

– Primeiramente, senhora, está no paraíso. Chamo-me Losna — é assim que todos me conhecem. E sim, trarei mais uma porção – respondeu a mulher, já se dirigindo à cozinha.

 

- Losna… que nome peculiar, - refletiu Corisco. - Soa amargo, e no entanto, sua presença é como um doce encanto.

 

Dr. Ladislau pigarreou, em claro sinal de reprovação.

 

– Jovem Plínio, é prudente evitar esse tipo de comentário sobre mulheres casadas. Não é de bom tom – advertiu ele.

 

– Perdão, doutor, fui imprudente em minhas palavras – retrucou Corisco, reconhecendo o deslize.

 

 

 

 

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Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 16/05/2025
Alterado em 17/05/2025
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