Curisco, tomado de profundo pesar, sentia no peito a dor acerba que lhe dilacerava o coração.
Transpôs o umbral do escritório de seu genitor, deixou-se tombar na poltrona junto à escrivaninha, ocultou o rosto entre as mãos e, após suspirar longamente, ergueu os olhos para a escrivaninha. Tomou da pena e pôs-se a redigir nas folhas dispostas diante de si.
A primeira missiva foi endereçada à sua dileta irmã, dando-lhe ciência de que empreenderia viagem à capital, levando consigo o pai enfermo, conforme as recomendações do ilustríssimo Dr. Ladislau.
Compôs ainda outras cartas, dirigidas aos parentes mais chegados. Quando já se preparava para selar os envelopes, ouviram-se discretas batidas à porta.
— Entrai! — exclamou Curisco.
— Perdão, meu senhor — disse Demétrius, inclinando-se respeitosamente. — O doutor Ladislau partiu há pouco para a vila, e deixou recado de que o senhor Rufino deverá ser conduzido à capital. Que devo mandar preparar para a jornada?
— Providenciai uma carruagem que nos leve, e outra que conduza mantimentos e o necessário para o percurso.
— Assim se fará, senhor.
— E, Demétrius, cuidai para que estas missivas cheguem às mãos de seus destinatários.
— Podeis confiar, senhor. Já de pronto despacharei criados para dar-lhes fiel entrega.
***
Corisco, ao alcançar a capital das Minas Gerais, contemplou-a com um olhar curioso e atento, como quem busca decifrar os segredos ocultos sob o véu da modernidade. As damas, trajadas com adereços e vestimentas por ele jamais antes vislumbradas, pareciam-lhe figuras de um outro mundo, despertando em sua alma o misto de encanto e estranhamento.
Após ser seu pai internado no manicômio para observação e exames clínicos, fizeram-se urgentes os cuidados com o próprio bem-estar. Buscaram, pois, uma estalagem honesta, onde pudessem desfrutar de um banho reconfortante, repousar os corpos fatigados da jornada e alimentar-se condignamente.
Elegeram um hotel de boa aparência nas imediações, alugando de pronto dois aposentos. Após o merecido asseio e a troca de trajes, puseram-se a percorrer as ruas de Bello Horizonte, cujas linhas e edificações, para surpresa do moço, assemelhavam-se em muito àquelas da Cidade de Pacas, no distrito pertencente às terras da família Rufinos.
Já se avizinhava a noite — cerca de seis horas e quarenta — quando se deram conta do silêncio que tomava as vias da urbe. Poucas carruagens deslizavam pelas ruas, e algumas carroças de lavradores seguiam lentamente para seus destinos. Foi nesse momento que os olhos de Corisco depararam-se com uma morada peculiar, sobre cuja porta lia-se: “PUB DA MADAME SUZETE”. Uma luz pendia do teto, e logo abaixo, fixada à parede, encontrava-se uma pintura insólita: uma dama em trajes de alcova, com um sorriso maroto nos lábios, segurando uma taça de champanha numa das mãos, e, na outra, uma cigarrilha acesa. À porta, um cavalheiro bem trajado postava-se como guardião do recinto.
— Ora vejam! Pelo porte do estabelecimento, parece-me que as iguarias aí servidas devem custar uma fortuna — comentou Corisco. — Têm até guarda na entrada.
Ante tal observação, o Dr. Ladislau, experiente e comedido, esclareceu com voz grave:
— Nobre Corisco, não se trata de uma casa comum de pasto. Tal recinto parece destinado aos cavaleiros, e oferece, ao que tudo indica, não apenas sustento ao corpo, mas entretenimentos e experiências próprias de uma certa elite boêmia.
Corisco quedou-se por um instante, ponderando sobre as palavras do doutor e contemplando o ambiente ao redor com olhos ávidos e imaginativos. Algo na aura do lugar o instigava, suscitando nele um desejo velado de adentrar e explorar.
— Pois bem, entrarei para conhecer. Quero ver com meus próprios olhos o que se oferece por lá.
— Lamento, mas não vos acompanho nesta empreitada, meu jovem — retrucou Ladislau com um sorriso cansado. — Já não disponho da juventude necessária para tais incursões. Buscarei, ao contrário, um canto sossegado, onde possa tomar um prato de sopa, quiçá um pedaço de pão e um copo de vinho.
— Compreendo vossa decisão, prezado doutor. Que vossa busca por serenidade seja frutífera e que o retorno ao hotel se faça em paz e contentamento.
Dr. Ladislau já se afastava quando, detendo-se por um instante, voltou-se para o rapaz:
— Perdoai-me, jovem Plínio... Há algo em especial que vos move a querer explorar tal casa?
— Nada de relevante, doutor. Apenas a curiosidade.
— Muito bem. Porém, rogo-vos que guardeis vossos haveres com cuidado e que não provoqueis ninguém. Em lugares assim, nem tudo é o que aparenta ser.
— Vosso conselho me será útil, e por ele vos agradeço.
***
No interior do pub, desenrolava-se um cenário de verdadeira opulência sensorial, onde damas de figura esguia e trajes reduzidos, de maquiagem acentuada e gestos insinuantes, perambulavam entre as mesas como musas de um templo profano, servindo não apenas bebidas, mas devaneios líquidos em cálices de cristal. Uma névoa densa, proveniente de cigarros e charutos acesos, pairava no ar feito véu encantado, envolvendo os convivas numa atmosfera de mistério, volúpia e promessas inconfessas.
Corisco, de porte firme e expressão curiosa, com sua rusticidade de homem do campo, acercou-se do balcão feito quem chega para uma justa.
— O cavalheiro vai querer o quê? — indagou o taberneiro, com voz neutra, porém olhar carregado de escárnio.
— Plínio Rufino Filho, ao vosso dispor.
Dizei-me, senhor: tendes aí alguma bebida forte, digna de homem de raiz?
O olhar do taberneiro faiscou à luz âmbar do uísque que despejava com certa desídia na taça, como se vertesse ali não apenas líquido, mas um desafio silencioso. Corisco, impassível, tomou a dose com firmeza, erguendo-a como se fosse um brinde ao próprio destino, antes de provar do conteúdo.
Fitando o líquido, fez soar suas palavras no salão envolto em fumaça:
— Lá na fazenda, o mijo das vacas é mais valente que essa urina de égua que me servistes. Não teríeis por acaso uma boa cachaça da roça? Daquelas que ardem feito sol do meio-dia?
Seu pedido cortou o ambiente como açoite. Era um grito de autenticidade em meio à artificialidade perfumada daquele recinto.
O barman arqueou a sobrancelha, mas por fim sorriu com certa condescendência e puxou, de sob o balcão, uma garrafa de vidro grosso e âmbar levemente opaco. Serviu-lhe uma dose sem dizer palavra.
Corisco levou o copo aos lábios e, após o primeiro gole, abriu os braços em gesto quase teatral:
— Ora, agora sim, tocaste o âmago, ó alquimista das bebidas! Esta é a seiva dos deuses, o néctar da terra, essência pura que embriaga não apenas o corpo, mas a própria alma!
Enquanto saboreava mais um trago, seus olhos vagueavam, absortos, pelos encantos do salão, quando uma dama distinta se acercou. Trazia o andar leve, como se bailasse, e o olhar profundo como as noites sem luar. Sua voz, de acento espanholado, deslizou no ouvido do moço como música proibida:
— Buenas noches, mi joven... ¿Qué le gusta, niñas... niños...?
Surpreendido, Corisco arregalou os olhos e respondeu, coçando a nuca:
— Arriégua! Que prosa é essa, dona moça?
Ela sorriu, lânguida, como flor que desabrocha sem pressa.
— Entiendo... Tu gusto son las mujeres. Vem conmigo... — disse ela, entrelaçando o braço ao dele com a suavidade de um feitiço bem lançado.
Os olhos da dama, de cor indecifrável, conduziram Corisco por trilhas invisíveis. Sob o brilho tênue dos lampiões e o fulgor das estrelas refletidas em seus olhos, o destino do rapaz parecia traçado — escrito talvez nas páginas de um romance antigo, daqueles que falam de desejos, encontros e desvios do coração humano.
Atravessaram o salão em direção a uma escadaria de madeira escura, cujos degraus rangiam como quem confidencia segredos há muito guardados. No alto, a mulher bateu à porta com dois toques firmes. Esta se abriu com suavidade, revelando uma figura feminina cuja beleza rivalizava com a própria alvorada.
— Sim, madame? — indagou uma jovem ao abrir a porta.
— Cuida a este joven... y hazle ver las estrellas.
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