FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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Por conta do delicado estado de saúde do venerando patriarca, permaneceu o doutor Ladislau na fazenda, disposto a prestar-lhe toda a assistência que lhe fosse possível à convalescença. Ao declinar do dia, cessaram as águas do céu e rompeu tímido o sol entre as nuvens rarefeitas. Ainda se viam, sobre a ramagem do pomar e nos arvoredos que guarneciam os limites da propriedade, gotas pendidas, que pouco a pouco se evaporavam. No ar, pairava o cheiro acre da relva molhada, cujo aroma, doce e ao mesmo tempo amargo, lembrava os mistérios da terra fecunda.

 

Era a hora do repasto, e ao longe ouviam-se os sabiás, em jubiloso concerto, saudando o calor que então começava a abrasar a tarde.

 

O dia escoou-se célere, qual se fora um lampejo, e logo as sombras da noite envolveram a casa grande. No aposento de Plínio Rufino, todavia, o tempo parecia estagnar-se — e, desgraçadamente, seu estado apenas se agravava, inspirando apreensões crescentes.

 

Às sete horas da noite, sentaram-se à mesa o doutor Ladislau e o fiel Curisco, sendo-lhes servido um guisado de carne de porco com legumes bem cozidos. Ao ancião enfermo, ministraram-lhe um escaldado de fubá com folhas tenras de couve, conforme a recomendação médica.

 

Pelas dez horas, já se encontrava a casa em recolhimento completo, silente sob o manto da noite, como que em vigília respeitosa pelo destino do velho senhor.

 

***

 

Os primeiros raios do sol, apresentava-se a fazenda Barro Preto em todo o seu esplendor, banhada pela luz primeira do sol que, inclemente, lançava seus raios sobre os outeiros, enquanto uma névoa tênue pairava sobre o arvoredo distante, prestes a ser dissipada pelo calor, para depois, por mercê dos céus, retornar em forma de chuva. As avezinhas entoavam seus cantares matutinos, ao passo que o gado no curral mugia com veemência, como a exigir do vaqueiro a lida da ordenha.

 

Na casa-sede, o aroma do café recém-passado impregnava os ares. Corisco já se encontrava desperto e, tendo-se despojado das vestes de dormir, trajou-se com roupas mais condizentes com o dia que se iniciava. Ao adentrar a sala destinada ao desjejum, deparou-se com o Dr. Ladislau, que já se ocupava de uma refeição substanciosa.

 

— Bom dia, mancebo Plínio!

 

— Bom dia, doutor. Descansou bem durante a noite?

 

— Infelizmente, não, meu jovem. Vosso pai padeceu de grande incômodo, e por mais de uma feita fui chamado a assisti-lo. Receio dizer-vos que seria de bom alvitre conduzi-lo à capital, pois a moléstia que o aflige excede os limites do meu saber.

 

— Pois não se fale mais nisto, doutor. Partiremos sem delongas. Não hei de permitir que meu pai sofra, abandonado ao leito, sem os cuidados que lhe são de direito. Dizei-me o que é mister levar, que darei ordens ao cocheiro para aprontar a carruagem.

 

— Estamos de acordo. Preciso apenas passar por minha morada a fim de recolher algumas peças de roupa e estarei pronto para a jornada.

 

— Quantos dias até a capital, por obséquio?

 

O facultativo lançou ao rapaz um olhar entre surpreso e curioso.

 

— Nunca estivestes na capital, meu caro?

 

— Jamais, doutor.

 

— Pois bem. Se o tempo nos for propício, estimo que alcancemos o destino entre quinze e vinte dias.

 

— Assim será. Providenciarei tudo o que for preciso e partiremos ainda hoje, se assim for de vossa conveniência.

 

 

 

Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 11/05/2025
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