O doutor Ladislau aportou à Fazenda Barro Preto ao alvorecer. Suas botas, empapadas de lama, reluziam sob o barro úmido da estrada. Mal pôs os pés na relva do pátio, bateu com força as solas no chão, arrastando-as de um lado a outro, na tentativa de livrar-se da imundície. Não notara que, da varanda, o mordomo Demétrius o observava com discrição.
— Muito bom dia, doutor Ladislau. Não vos preocupeis com vossa condição; temos aqui calçados de reserva, adequados ao vosso tamanho — disse-lhe o mordomo, com polidez. — Acomodai-vos, tirai essas botas, que mandarei um serviçal encarregar-se de limpá-las devidamente.
— Agradecido, Demétrius — retrucou o médico, galgando os degraus que conduziam ao alpendre da casa-grande.
— E como achastes as estradas, doutor? — indagou o mordomo, enquanto o visitante se desfazia do calçado enlameado.
— Um verdadeiro suplício, meu caro. Fui forçado a abandonar a carruagem a pouco mais de um quilômetro da cidade; as rodas atolaram-se no barro e, não havendo outro remédio, tive de seguir a cavalo. Por isso o atraso. Mas dizei-me, como se encontra o senhor Plínio? Houve algum sinal de melhora?
— Lamentavelmente, pouca. Uma negra anciã, das bandas da vila dos trabalhadores, acudiu-nos ontem já tarde da noite. Preparou-lhe um banho de ervas que, ao menos, baixou-lhe a febre. Todavia, persiste o delírio.
— Pois bem, vejamos o que posso fazer por nosso enfermo.
O facultativo galgou pausadamente os degraus que conduziam ao andar superior, denunciando em seu rosto abatido os efeitos da fadiga. Demétrius o acompanhava de perto, atento e solícito. Ao alcançarem o aposento do patriarca, o mordomo bateu de leve à porta, e, sem esperar resposta, adentraram com discrição.
No interior do quarto, achava-se o jovem Curisco, sentado junto à cabeceira do leito, contemplando com pesar o sofrimento do genitor. Também se fazia presente o criado, que com esmero administrava ao enfermo pequenas colheradas de mingau de fubá, ao qual se havia acrescentado lascas de queijo meia cura, na tentativa de prover-lhe algum sustento.
— Bom-dia, senhores — proferiu o doutor Ladislau, em voz baixa, por deferência ao delicado estado do senhor Rufino.
— Bom-dia, doutor — retrucou Curisco, meneando a cabeça com cortesia.
— Como se sente hoje, senhor Rufino?
O moribundo nada disse, ocupado em abrir com esforço os lábios para receber o alimento, que lhe descia pela goela com notável dificuldade.
— Ah, doutor... não está nada bem — disse Curisco com voz embargada. — A febre deu uma trégua, é verdade, mas ele não cessa de chamar por mamãe.
O facultativo deitou-lhe então um minucioso exame: aferiu-lhe a tensão do pulso, escutou-lhe os batimentos do peito, observou-lhe os olhos baços. Ao término da avaliação, lançou um olhar significativo a Plinio e, com um gesto discreto, deu-lhe a entender que desejava falar-lhe em particular.
-Isa onde jaz você! Não se esconda de mim, minha querida, não estou para brincadeiras.
Diante do quadro, o médico decidido a cumprir seu papel, aplicou uma injeção para fazê-lo relaxar, e prescreveu compressas mornas na testa, solicitando a preparação de um caldo reconfortante para as refeições diurnas.
Dr. Ladislau deixou o paciente aos cuidados do mordomo e, desceu para o piso terrio, acompanhando Plínio Filho – volgo Curisco - numa sala, onde o café é apreciado para combater o sono e enfrentar o frio intrusivo. Com observações sobre a iminência precoce do inverno, o doutor, após receber uma xícara de café, informa.
- Prezado jovem Corisco, lamento informar que seu progenitor se encontra em uma condição preocupante. Administrei-lhe uma injeção para mitigar a agitação, contudo, caso não apresente melhora até o próximo dia, seria prudente conduzi-lo à capital. Parece estar experimentando um colapso nervoso que demanda atenção especializada disponível apenas em Bolo Horizonte.
Em meio a uma sombra que parece pairar sobre a família, Corisco pondera sobre padrões familiares sombrios.
- No transcurso do último ano, meu avô faleceu, seguido, apenas dois meses depois, pelo óbito de minha avó. Indago-me se essa narrativa tende a se reproduzir?
- Evite conceber tal cenário em sua mente, caro jovem. O que se desenrola com seu pai é mera coincidência, um conjunto de circunstâncias fortuitas.