Sob a égide noturna, Corisco, montado sobre Relâmpago, avançava célere pela estrada, iluminada pelo fulgor argênteo da lua. O corcel, em rijo esforço, deslizava lépido sobre as planícies, alargando os passos ante as elevações, como se buscasse afrontar a inexorável marcha do tempo. Sua missão era imperativa: salvar a vida da genitora, que agonizava na fazenda. Agitando as rédeas e bradando com veemência, Corisco instigava o cavalo à máxima diligência.
— Voemos, Relâmpago! Pois a vida materna jaz na celeridade de teus cascos e na perícia do doutor!
Ao deparar-se com a íngreme ascensão do terreno, o equino, perspicaz, compreendia o desígnio do cavaleiro. Sem hesitação, galgou a ladeira, galopando com afinco até o cume, donde já se divisavam, ao longe, as escassas luzes da urbe. Impelido pelo ímpeto derradeiro, Relâmpago disparou com todo o ardor, rompendo a brisa da noite até que, ante a residência do facultativo, Corisco refreou o animal e saltou ao solo, proferindo em alto brado:
— Doutor Ladislau! Doutor Ladislau!
Nas moradias circunvizinhas, acenderam-se lampiões e candeias; vultos em trajes de repouso surgiam às portas, observando a cena com curiosidade. Da soleira de sua casa, de óculos de tartaruga pendentes sobre o nariz, emergiu o médico, visivelmente contrariado pela súbita algazarra.
— Que perturbação é esta? Não haverá paz nesta cidade nem mesmo à calada da noite?
— Doutor, sou eu, Corisco, filho do Sr. Plínio e de D. Isabel, da fazenda Barro Preto! Minha mãe jaz entre a vida e a morte; somente vossa ciência e a mercê do Altíssimo poderão salvá-la!
Esclarecida a urgência da demanda, o médico tomou sua maleta e aquiesceu em acompanhá-lo. Todavia, detendo-se ante Relâmpago, ponderou:
— Deixai vosso cavalo repousar. Vinde comigo em minha carruagem, pois receio que outra jornada extenuante possa ser-lhe fatal.
Ao ouvir tais palavras, Relâmpago relinchou em protesto, mas logo, como se compreendesse a sábia advertência, meneou a cabeça em anuência.
— Descansa, meu bom amigo — murmurou Corisco, afagando-lhe o dorso e as orelhas. — Tu bem o mereces. Assim que o doutor houver visitado minha mãe, volto para te buscar.
Da soleira, D. Odete, consorte do médico, acompanhava a cena com interesse.
— Deixai-o atado junto à entrada — disse ela, solícita. — Ordenarei ao criado que cuide dele, removendo-lhe a sela, escovando-lhe o pelo e servindo-lhe boa forragem.
E assim, Corisco, de coração palpitante e alma em prece, partiu na carruagem, confiando na graça divina e na destreza do doutor.
***
No crepúsculo da existência de D. Isabel, o Sr. Plínio, homem de poucas preces, via-se forçado a encarar o inexorável encontro com a morte. A criada, zelosa em seus préstimos, ministrava cuidados à moribunda com compressas de água morna, enquanto o patrão, ao perceber o miasma da transição fatal, murmurou consigo:
— Se o doutor não chegar a tempo, restará apenas chamar o vigário para ministrar-lhe a extrema-unção...
A serviçal, alicerçada na fé, buscava infundir ânimo.
— Tenha confiança, patrão. O doutor há de chegar, e a sinhá Isabel há de sarar, verá o senhor...
Entretanto, envolta em estertores e convulsões tênues, D. Isabel percebia sua vitalidade esvair-se. Seus olhos, outrora fulgurantes como duas safiras, haviam perdido o brilho, e sua respiração, embora persistente, era penosa, como se o próprio ar se lhe tornasse rarefeito.
Plínio, ao soltar-lhe a mão, buscou alívio ao abrir a janela, permitindo que a brisa fresca permeasse a alcova. Foi então que a enferma, num ímpeto derradeiro, ergueu a mão trêmula e murmurou, num fio de voz:
— Meu bem... leva-me até a janela, para que eu sinta o ar em minha face...
Com o peito oprimido pela angústia e os olhos anuviados de lágrimas, Plínio a ergueu com delicadeza e conduziu-a até a vidraça. Ali, Isabel entregou-se à carícia do vento noturno, deixando que o frescor lhe afagasse a tez pálida. Voltando-se para o esposo, fitou-lhe os olhos com ternura e sussurrou:
— Obrigada, meu bem...
Um acesso de tosse sacudiu-lhe o corpo enfraquecido, mas, no instante seguinte, um tênue sorriso se desenhou em seus lábios. E então, sem aviso, seu peito se aquietou, e seu derradeiro suspiro dissolveu-se no vento.
— Nãooooo! — O brado de Plínio rompeu a quietude da noite, transbordante de desespero e dor.
O clamor lancinante ecoou pelos vastos campos, rompendo o silêncio da noite e alcançando as fazendas vizinhas. Os ventos gélidos, quais arautos do infortúnio, pareciam conspirar com a dor do enlutado, curvando-lhe o corpo combalido sob o peso da perda.
Tombando sobre o corpo inerte de sua amada esposa, Plínio pranteava com desespero incontido, sua alma incapaz de se conformar com o fatídico desfecho.
A criada, acometida pelo horror da cena, ergueu um brado por socorro. No entanto, o auxílio chegou tarde. Com o auxílio dos serviçais, o corpo da dileta senhora foi cuidadosamente reconduzido ao leito, onde repousaria até os ritos fúnebres.
Plínio, exaurido pelo pesar, precisou ser amparado até sua poltrona. Ali, quedou-se prostrado, qual estátua esculpida pela dor. Um dos criados, movido por compaixão, aproximou-se e, em um gesto tímido, estendeu-lhe um cálice de uísque, na vã esperança de mitigar a tormenta que lhe consumia a alma.