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Já passava das 23h e as ruas secundárias estavam vazias, mas as avenidas principais estavam intransitáveis. Junior dirigia sem destino certo, tão feliz estava com a pick-up que o pai lhe dera que só queria mesmo curtir aquele momento. Sem ter bem ciência do que fazia, somente depois percebeu que havia estacionado em frente ao edifício onde Michela morava. Eufórico, ele pegou o celular e ligou para ela que atendeu logo no segundo toque.
- Alo! Junior? – disse ela, meio na dúvida se era ele mesmo que ligava em tal hora.
- Oi! Adivinha onde estou agora! – disse ele muito entusiasmado.
- Não faço à mínima ideia, só sei que deixei você na sua casa faz uma hora, uma hora e meia, aproximadamente.
- Desça aqui, eu estou na portaria do seu prédio.
- Agora? Você deve estar de brincadeira. Impossível, eu mal acabei de chegar e você já está aqui em frente ao prédio?
- Se não acredita, venha ver.
- Está bem, já estou descendo.
Ele colocou o celular sobre o painel e ficou batucando no volante. Ao chegar à portaria, Michela olhou para ambos os lados e não o viu.
- Deve ser pegadinha sem graça dele – pensou.
Ela pegou o celular no bolso do jeans e discou o número de Junior.
- Hei, fala sério! Onde você está?
- Estou aqui, bem em frente ao condomínio, olhe para rua – disse ele apertando o botão para abrir o vidro - está vendo do outro lado da rua uma pick-up Mitsubishi preta, cabine dupla com um gatão ao volante falando ao celular?
- Estou, - e ela riu alto.
- Sou eu, garota.
- Não acredito, é você mesmo?
-Venha aqui conferir.
Depois de olhar se não vinha vindo nenhum carro, Michela desceu a calçada e atravessou depressa.
- Que beleza! – disse ela ao se aproximar – de quem é?
- É minha, meu pai me deu de presente agora à noite. Faz a volta, entra aqui e vamos dar uma volta.
- Só se for agora.
Michela entrou no carro e, sem cerimônia, deu um beijo na boca de Junior. Ele nem ficou surpreso, apenas ligou o carro e seguiu em frente.
- Que barato! - disse Michela – você chegou e o carro já estava lá na garagem?
- Foi... bem, na verdade, estava rolando uma grande festa com músicos, champanhe e tudo o mais. Eu fiquei bastante surpreso, pois já faz uns cinco anos ou mais que papai não oferece uma recepção assim em casa.
- E ele disse o motivo da festa e de tal presente?
- Sim, é por ser o primeiro dia de minha Irmã na faculdade e por meus 21 anos a se completarem no fim do verão.
Michela ficou calada por um momento tentando assimilar todas as informações recebidas.
- Fico feliz por mim e por você.
Junior não entendeu bem o que ela disse. Olhou para ela interrogativamente, mas ela apenas lhe sorriu.
- Não entendi o que você quis dizer com o estar feliz por mim e por você.
- Simples, estou feliz por você estar feliz com o presente que ganhou e feliz por você ter vindo compartilhar a sua alegria comigo.
- Sei... – disse ele, mas com um pequeno sarcasmo na voz.
- Verdade, eu imaginei que depois do que aconteceu ainda pouco... quero dizer.... pelo fato de eu ter gerado grande expectativa em você por termos ido a um motel e, depois de já estarmos lá dentro, eu ter recuado... ter dado para trás... bom, pensei que você fosse ficar com raiva de mim para o resto da vida, mas o fato de estar aqui agora me mostrou que não.
Junior não argumentou de imediato, primeiro ponderou consigo mesmo que, na verdade, nem sabia como viera parar em frente do prédio dela, apenas saíra dirigindo sem rumo e, quando dera por si, ele já estava ali. Ele até poderia não dizer aquilo em palavras, mas tinha certeza que ela era especial para ele.
- Eu já tinha até me esquecido – disse ele, sem olhar diretamente para ela - Mas foi melhor assim... Tem coisas na vida que é melhor a gente se arrepender por não ter feito do que se arrepender de haver feito algo que não daria para voltar atrás.
- É muito filosófico isto que você disse e faz sentido... de mais a mais, eu sou noiva – disse ela girando a aliança de noivado no dedo.
Junior ficou calado por um longo momento, pois estava confuso com tudo que estava acontecendo e gostaria de esclarecer as coisas de uma vez por todas, não dava mais para ela ficar brincando de gato e rato com ele. Ele gostava dela e ela também dele, então o que os impedia de ficarem juntos? Ela estava noiva, mas e daí? Noivado podia ser desfeito em qualquer tempo e eles teriam que colocar ponto final naquela situação que já estava ficando sem graça e perigosa.
- Vamos tomar um suco – disse ele finalmente - eu estou com muita sede.
- Seria bom – concordou Michela - eu também estou com um pouco de sede.
Ele parou a pick-up em frente a um restaurante onde estava acostumado a ir com sua irmã.
- Boa noite! – disse o manobrista, abrindo a porta do passageiro – sejam bem-vindos à Quinta do Museu.
Junior deixou as chaves com o manobrista e foi seguindo Michela para o interior do aconchegante ambiente.
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Sendo uma agradável noite de sábado, o restaurante estava com oitenta por cento de movimento. Ao entrarem, foram recepcionados por um dos garçons que repetiu quase a mesma saudação:
- Boa noite, bem-vindos – disse o garçom – posso ajudá-los?
- Gostaríamos de uma mesa em lugar bem discreto, por favor – disse Junior.
- Qual é a reserva?
- Não temos nenhuma reserva.
- Sem reserva... um momento, por favor.
O garçom se dirigiu ao caixa e voltou acompanhado de outro garçom.
- Desculpe-me a demora. Este é nosso colaborador Cláudio e ele vai acompanhá-los até uma mesa vaga.
- Obrigado – disse Junior, passando o braço sobre o ombro de Michela.
O garçom afastou a cadeira para Michela e, estando ambos acomodados à mesa, o garçom ficou de lado aguardando o pedido. Junior conferiu o cardápio brevemente.
- Eu vou querer este suco silvestre e uma porção de frios. E se você tiver aquele queijo brie, traga um pouco também.
- Você gosta deste queijo? – perguntou Michela.
- Sim, ele é muito saboroso... e você, o que vai querer?
- Este suco silvestre que você pediu é bom mesmo?
- Delicioso e é bem energético também.
- Então eu vou querer o mesmo suco.
- Então serão os dois sucos silvestres e uma porção de frios – disse o garçom.
- Exato – disse Junior.
- Com licença, logo trarei seu pedido.
Depois que o garçom se afastou, Michela olhou em torno do ambiente com curiosidade.
- É um lugar bem agradável aqui – disse ela.
- Aqui é um espaço legal, eu sempre venho aqui com minha irmã nos fins de semana, pois a comida deles é muito boa... e seu apartamento deve distar daqui apenas uns seis ou oito quarteirões.
- Tão perto assim e eu nunca vim aqui, nem sequer sabia que este lugar existia!
- Para você ver, mas também... a sua vida é ir da faculdade para o apartamento e, nos fins de semana, ir para a casa de seus pais... não tinha mesmo como saber deste lugar.
- De fato, tomo em casa o meu café da manhã, o almoço é na faculdade... e costumo jantar sempre em casa mesmo. Eu não teria como saber da existência deste lugar.
Ambos ficaram em silêncio. Bem que ele gostaria de saber o que Michela queria da vida de fato, mas tinha medo de perguntar e estragar a amizade entre eles. Tudo que acontecera naquele dia de tarde ainda estava martelando na cabeça dele. Será que ela iria acabar com o noivado, ou não? Será que ela estava tão confusa quanto ele com tudo que tinha acontecido? Ele não tinha certeza de nada, exceto do seu sentimento por ela.
Enquanto seu olhar estava fixo na toalha da mesa e ele divagava em seus pensamentos, o garçom trouxe o pedido e se foi. Michela tomou um gole do suco.
- Hummm! Este suco é muito bom – disse ela – parece ter de tudo um pouco, acho que tem até hortelã, não tem, Junior?
Ele continuou a olhar para a mesa, Michela viu que ninguém estava olhando para eles, então tocou discretamente na mão dele.
- Hello! Michela chamando Junior, hello!
- Oi! O que foi?
- O garçom trouxe o pedido já faz um tempinho e você está aí sonhando acordado. Está tudo bem?
- Sim, eu estava viajando em pensamentos, - disse ele com um sorriso maroto - mas já voltei ao planeta Terra.
Tomou um longo gole do suco.
- E aí, gostou do suco? – perguntou ele.
- Sim, está uma delícia!
- Que bom que você gostou... Michela, o que você pretende fazer daqui para frente? Você ainda pretende se casar, vai mesmo levar isso em frente?
- Não sei, eu preferia não falar sobre isto agora, vamos viver este momento, deixe o resto para o futuro. Prove este queijo, veja como é gostoso – disse ela já colocando um pedaço na boca de Junior – não vamos pensar em nada que não seja este agora.
- Como queira! Acho que eu vou pedir outro suco.
Ele ergueu o braço para que o garçom providenciasse anotar seu pedido.