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Fernandes, após um longo dia de idas e vindas, cansado de tanto andar no cemitério e depois na clínica do seu amigo, chegando à sua casa foi direto para o chuveiro. Só depois de um prolongado banho ele se sentiu revigorado e pronto para enfrentar a longa noite que o aguardava. Como se fosse a um casamento em que ele mesmo fosse o noivo vestiu o roupão, foi para frente do espelho do lavabo e se barbeou minuciosamente
Os amigos principiaram a chegar por volta das 20h e ele desceu a escadaria indo diretamente para o salão de festa. Havia já umas cem pessoas reunidas ali e os músicos tocavam “La barca”, uma canção que para Fernandes era especial, pois marcara os melhores momentos que vivera com Weruska. Ele sentiu como se o passado houvesse voltado à época em que se casara com ela.
Algumas pessoas estavam dançando, outras bebendo e comendo alguns petiscos. Naquele momento, Fernandes ainda sentia seu sistema emocional abalado pelas lembranças e a sua garganta ressecada, então procurou um lugar onde pudesse se sentar e observar o movimento a distância. Um dos garçons aproximou-se e lhe serviu uma dose de uísque.
Era chegada a hora de anunciar aos amigos o verdadeiro motivo daquela recepção. O coordenador da festa pegou o microfone.
- Atenção senhoras e senhores, um minuto de sua atenção, por favor.
Todos interromperam a conversação e se viraram em direção ao palco.
- Obrigado – prometo que a pausa será breve. Dr. Fernandes, nosso anfitrião, tem algumas palavras para nos dizer.
Enquanto o organizador falava, Fernandes se encaminhou para o palco.
- Bem, passo a palavra a ele.
Fernandes tomou o microfone de suas mãos, olhou para os presentes com um leve sorriso e começou a dizer:
- Primeiramente quero agradecer a presença de todos vocês. Esta recepção foi uma decisão de última hora, mas o meu amigo Juan me parece estar se saindo muito bem já que todos parecem muito bem servidos, estou certo?
Todos responderam que sim e ergueram suas taças num brinde.
- Meus caros amigos, o motivo deste jantar é que minha filha Laura iniciou hoje seu curso de direito. Além disso, eu também estava com saudades dos meus amigos, pois desde que minha Weruska se foi e, lá se vão dezoito anos, eu tenho me dedicado apenas ao trabalho e à minha pequena família, Laura e Junior, que são os meus maiores orgulhos... Em contrapartida, eu me afastei dos amigos, todavia não os esqueci ainda que não tenhamos nos reunido nem para um simples drinque... creio mesmo que a última vez que fizemos uma recepção aqui em casa foi quando servimos um gostoso churrasco.
Fernandes olhou seu relógio, já eram dez horas e Junior ainda não havia chegado, então com cara de ligeira decepção, ele prosseguiu:
- Hoje, no entanto, resolvi quebrar a rotina e compartilhar com os amigos um pouco da minha alegria e desfrutar da companhia de tantos que não vejo há bastante tempo. Desejo que todos se divirtam muito.
Nesse momento, meio aturdido, Junior entrava no salão de festas. Fernandes, entregando o microfone para Juan, foi em direção ao filho e o abraçou. Após receber um beijo na face, Junior perguntou:
- Pai, qual é o motivo desta festa inesperada?
- Esta festa é para Laura e para você, meu filho.
- Para mim? O que eu fiz para merecer uma festa?
Fernandes, com a mão sobre o ombro do filho, disse:
- Filho, você e sua irmã são meus troféus e os melhores presentes que sua mãe me deixou.
- Tudo bem, pai, mas é que desde que a mamãe, morreu o senhor só fez festa aqui em casa uma vez, mas agora encontro a casa cheia de amigos. Que inesperado!
- Acalme-se, filho!
- Eu estou calmo, pai. Apenas surpreso.
- Ótimo, venha comigo ao escritório, quero mostrar uma coisa a você.
Enquanto os presentes congratulavam Laura por haver ingressado no mundo das leis, Fernandes e Junior se esgueiraram pela mansão e logo chegaram ao escritório, onde pai e filho sentaram-se à mesa. Fernandes por um momento ficou a olhar o filho como se não o visse há muito tempo. Depois, abrindo uma gaveta, pegou certa pasta preta e a colocou sobre a mesa, dizendo:
- Filho, quando eu tinha a sua idade e comecei a cursar a faculdade de Direito, meu tio ofereceu-me toda estrutura necessária para que eu pudesse ter uma renda própria e assim pagar a faculdade com o meu próprio trabalho.
Entregando a pasta ao futuro médico, Fernandes continuou:
- Abra, meu filho.
- O que há nesta pasta, pai?
- Você terá que abrir para saber, filho.
Junior abriu a pasta e dentro dela encontrou a escritura de um imóvel em seu nome e a chave de um automóvel.
- O que é tudo isso, pai? – exclamou Junior.
- Isso é o seu futuro, filho. Este era um sonho de sua mãe, mas ela morreu antes de poder realizá-lo, contudo, já que você decidiu ser médico, eu resolvi entregar o projeto a você.
- Mais pai, é uma grande responsabilidade que o senhor está colocando em minhas mãos! Eu mal comecei a faculdade de medicina e o senhor quer que eu administre uma clínica inteira?
- Bem..., meu filho, não se preocupe com isto , agora uma vez que a obra está parada e do mesmo jeito que sua mãe a deixou. Será necessário que você primeiro veja o local para decidir se vai querer fazer algumas mudanças ou vai querer apenas restaurar o projeto original. Nesta pasta tem a planta do imóvel, você estudará o projeto e depois me dirá o que achou dele.
- Certo, eu vou examinar tudo com atenção, sim.
- Amanhã você precisará ir até nosso escritório para assinar toda a documentação do imóvel.
- Não precisa, pai e, além do mais, eu só poderia ir ao final da tarde, por causa da faculdade.
- Precisa sim, meu filho, pois vai que a manhã eu venha a faltar, quem vai poder provar que dei este prédio a você?
- Que isso, pai! Pare de dizer bobagens, sou só eu e Laura! Por que iríamos brigar por causa de herança? Jamais!
- Nunca se sabe, filho, nunca se sabe... deixe para lá, depois a gente fala de novo sobre isto... Vamos ver o outro presente.
Pai e filho saíram da sala em direção à parte de trás do salão de festa. Quando Junior levantou a capa que cobria o automóvel, não pode conter as lagrimas, abraçou o pai sem nada dizer, a voz lhe faltava. Com muito esforço, ele conseguiu falar:
- Obrigado, pai! É exatamente o carro que eu sonhava ter um dia.
Junior entrou na pick-up, colocou a chave na ignição e a girou, o motor começou a funcionar e, minutos depois, ele já estava na rua.