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Depois que eles se acomodaram, uma jovem entrou trazendo-lhes o café que fora solicitado. Assim que ela se retirou, Fernandes perguntou:
- Voltando a falar de sua saúde, Giuseppe, você já viu o parecer de outro médico?
- Não, eu não achei necessário, pois o meu médico já trata de nossa família há uns treze anos.
- Mas ele é especialista no seu problema ou é só um clínico geral? Giuseppe, com saúde não se brinca!
- Eu sei, mas eu confio nesse médico.
- Está decidido, Giuseppe, eu tenho um amigo que é excelente neurologista, vou ligar para ele e marcar um horário para você ser atendido ainda hoje, se possível.
Fernandes abriu a agenda na letra R e lá estava o nome que procurava: Dr. Romano Pereira. Fernandes digitou os números no aparelho celular e levou o telefone ao ouvido. Não demorou muito e logo alguém, do outro lado, disse:
- Clínica Romano Pereira. Margareth, boa tarde.
- Margareth, é o Dr. Fernandes, tudo bem?
- Tudo bem doutor, em que posso ser útil?
- O Romano está?
- Não, doutor, ele foi almoçar e ainda não voltou. Quer que eu lhe peça para ligar para o doutor?
- Por favor, é importante, muito obrigado.
Desligando o aparelho, Fernandes disse:
- Pronto, creio que você poderá ser atendido ainda hoje, é só o tempo de recebermos o retorno da ligação.
Giuseppe ficou em silêncio por alguns instantes como se estivesse pensando em algo muito importante. Fernandes permaneceu em silêncio não querendo interromper os pensamentos do amigo. Passados alguns segundos, Giuseppe perguntou:
- Será que valerá a pena consultar outro médico, Fernandes? O meu médico foi categórico, além do mais tenho que embarcar para a Itália ainda hoje, às vinte horas.
- Não se preocupe. O Dr. Romano é super. conceituado na área de neurologia, se houver alguma chance de você ser operado para melhorar sua qualidade de vida e minimizar seu sofrimento, ele lhe dirá. Quanto à viagem, você não poderia adiá-la?
- Até poderia, mas é um caso de família, minha irmã de 88 anos não está se sentindo bem e praticamente implorou para que eu vá vê-la.
- Entendo.
- E eu tenho que estar de volta, o mais tardar, na quinta feira, pois no sábado já é o casamento de minha filha.
- Que dilema! Só mesmo Deus para lhe dar forças numa hora dessas.
Fernandes mal terminara esta frase quando alguém bateu na porta e foi entrando. Era Edgar e trazia a pasta do testamento de Giuseppe.
- Boa tarde, Dr. Fernandes.
- Boa tarde, Edgar.
Estendendo a mão em direção ao Giuseppe – Fernandes disse:
- Edgar, este é o Sr. Giuseppe, o cliente número um do escritório e a partir de agora você será o responsável pelos interesses dele e de sua família, isto é, se ele concordar.
- Meu Deus, por qual motivo eu não haveria de concordar? Tudo o que você e a sua equipe fizerem para mim, estará ótimo!
- Dr. Fernandes, não tenho palavras para agradecer a confiança que o senhor está depositando em mim. Obrigado por me confiar uma conta tão importante e prometo que não irei decepcioná-lo.
- Eu sei que você não vai me desapontar, Edgar, do contrário eu não estaria lhe delegando tal responsabilidade.
- Sr. Giuseppe, será uma honra defender os seus interesses – disse Edgar, com um leve sorriso na face e já cheio de deferências.
Edgar entregou os documentos para Fernandes e se retirou da sala com a mesma rapidez com que entrara. Ele era um jovem advogado, dinâmico, inteligente, ambicioso e bastante sem escrúpulos.
Fernandes estava passando para Edgar a conta da família Dolce exatamente por ele ter tais qualidades e tais defeitos. Fernandes estava só se preparando para o pior pois sabia que se o velho Giuseppe viesse a falecer, as coisas iriam mudar - e muito. Nesse caso, só mesmo alguém inescrupuloso como Edgar poderia cuidar bem de todos os negócios da família Dolce.
Em tempos idos, Fernandes não conservaria esse tipo de funcionário no núcleo do escritório, mas os tempos haviam mudado muito, as leis estavam cada vez mais corrompidas e agora, para alguém ser reconhecido como um bom advogado é necessário ser meio inescrupuloso.
Fernandes tentara por vários anos manter-se um profissional honesto, mas, a cada caso que defendia mais observava que seus colegas da acusação usavam de meios escusos para dissuadir o júri da ideia de absolver o inocente para declará-lo culpado, isso conforme seus interesses. Assim, ele deixou de ser criminalista e passou a defender apenas os direitos civis.
Fernandes estava terminando de fazer as últimas anotações para alterar o testamento de Giuseppe quando o telefone tocou. Ele tirou o aparelho do gancho e o levou ao ouvido.
- Pronto!
- Dr. Fernandes, - disse a secretária - o Dr. Romano está na linha dois, posso transferi-lo?
- Sim.
- Alo! Romano. Como vai, tudo bem?
- Tudo bem, Fernandes e você como está?
- Eu estou bem.
- As crianças?
- Também estão bem, fortes e firmes. A Laura iniciou na faculdade hoje, é meu maior orgulho, o Junior está no terceiro ano de medicina.
- Que bom, ele pretende se especializar em que área da medicina?
- Creio que é em pediatria.
- Fico feliz por você, Fernandes, já eu estou sofrendo com meu Sidney, o menino está andando com uma turma de vagabundos da pesada. Não liga mais para os estudos, o negócio dele é sair à noite e dormir durante o dia. Mas, eu não te liguei para falar dos meus problemas, meu amigo, mas sim porque a minha secretária contou-me que você precisa falar comigo urgentemente. Em que posso ser útil?
- É verdade, eu preciso de um grande favor seu.
- Estou ouvindo.
- O favor não é para mim, é para um cliente e amigo, você o conhece. Você se lembra daquele churrasco que fiz lá em casa há uns seis anos.
- Lembro sim.
- Talvez você se lembre também daquele cliente que eu te apresentei, Giuseppe Dolce?
- Sim. Não é aquele que tem uma vinícola e cria gado de corte?
- É este mesmo.
- Eu compro os vinhos dele para a minha adega. Mas, em que eu posso ajudá-lo?
- Parece que ele está com um tumor na cabeça. Ele já foi examinado pelo médico da sua família e foi informado que só tem seis meses de vida, contudo, esse médico não é especialista de cérebro, somente um clínico geral, portanto, eu gostaria de um parecer seu. Você pode atendê-lo hoje?
- Bem, eu... Eu hoje estarei aqui até as 20h, se ele conseguir chegar aqui até às 19h30, eu o atenderei.
- Não dá. Ele vai viajar, mas se você puder atendê-lo antes, eu agradecerei muito e é só você dizer o horário que nós estaremos aí.
- Então vou encaixá-lo às 14h30, está bem para ele?
- Está ótimo! Só mais uma pergunta, ele pode almoçar antes?
- Não, seria bom que ele estivesse em jejum de no mínimo quatro horas.
-Ele já não está mais em jejum, pois acabamos de tomar um cafezinho.
- Sem problemas, só um café preto não vai interferir no resultado.
-Muito obrigado, Romano, estaremos aí no máximo em quarenta minutos.
- Os aguardarei.
Fernandes desligou o telefone e em seguida levantou-se para vestir o paletó. Giuseppe fez o mesmo e ambos saíram da sala de reunião com destino à garagem. Ao passar pela recepção, Fernandes avisou a secretária:
- Mayara, eu estou indo com o Giuseppe à clínica do Romano, provavelmente não irei mais retornar ao escritório hoje. À noite, haverá uma recepção em casa e você também está convidada.
-Sim, doutor, pode contar com a minha presença.