FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

Textos


NOTA AOS LEITORES: devido a problemas de saúde, me ausentei por uns dias... mas agora vou retomar a composição da série DESEJOS, aos poucos... Grato pela compreensão.

27
 
 
Por volta das 12h30min, Junior deixou a sala de aula para almoçar, pois, neste horário, o restaurante da faculdade ainda não estava lotado de alunos barulhentos. Assim que entrou, viu Michela fazendo a sua refeição sentada numa mesa de canto. Ela estava macambúzia, aparentemente, já que não comia e tinha uma das mãos servindo de apoio para o queixo.
 
Ele a conhecia muito bem, eram amigos desde a quarta série e aquela postura indicava que algo sério a perturbava. De bandeja nas mãos, prato e talheres sobre a mesma, ele foi ao Buffet onde escolheu seu almoço. Ao chegar à mesa de Michela, ele constatou que ela ainda nem havia tocado na comida.
 
- Posso me sentar com você? – perguntou ele já colocando a bandeja sobre a mesa – se não for incomodá-la, é claro!
 
- Fique à vontade.
 
Ele se sentou e começou a comer como se não tivesse notado nada de diferente e após ter comido um bom pedaço de bife, disse:
 
- Esta carne está uma delícia, macia e com o tempero certo.
 
Cortando mais um pedaço da carne, ele perguntou:
 
- Sua comida está ruim ou caiu alguma coisa em seu prato?
 
- Não, só estou sem apetite.
 
- Conta outra que essa não colou, – disse isso, olhando bem nos olhos dela – o que é esta sombra de tristeza em seus olhos?
 
- Não é nada, só estou preocupada com meu casamento.
 
- De fato, já é no próximo sábado, não é mesmo? Mas você não devia estar radiante, pulando de alegria?
 
- Sim, mas é que não sei se já estou preparada para casar.
 
- Você falou sobre isso com o Rafael?
 
- Não, ele não entenderia.
 
- Vamos fazer o seguinte: você almoça agora e depois da última aula vamos sair por aí, tomar um chope, refrigerante ou sorvete, sei lá, o que você quiser.
 
- Não sei, não, se o Rafael souber que nós saímos por aí depois da faculdade, ele é capaz de nos matar.
 
- Mas você não contou a ele aquele lance que nós tivemos, contou?
 
- Não, mas acho que ele deduziu. Outro dia, ele me pediu para parar de falar no seu nome.
 
Junior procurou não demonstrar, mas ficou feliz em ouvi-la dizer que falava dele mesmo quando estava com o namorado. Na adolescência, ele e Michela haviam ficado juntos. Porém, sendo quase dois anos mais velha do que ele, ela sentiu necessidade de estar com alguém mais velho, alguém que já pensasse no futuro e que não quisesse viver só o momento presente. Mas o que ela fingia não saber era que ainda gostavam muito um do outro.
 
- Que é isso, ele parece ser um cara tão centrado e eu nunca notei que tivesse ciúmes de mim e olha que nós estamos sempre juntos em todas as festas. Ah! Vamos lá, em nome dos nossos velhos tempos, garota, eu prometo que não lhe tirarei nenhum pedaço.
 
- Está bem, depois da faculdade nós iremos tomar um suco e nada mais.
 
- Eu sei, menina. Oh, que mente poluída! ... será que um homem não pode sair com uma amiga sem que haja segundas intenções? Desse jeito você me ofende, sabia? ... Eu não sou mais aquele adolescente afoito e este ano já vou fazer dezenove anos, você se esqueceu?
 
- É verdade, você já é maior de idade. Isso quer dizer que tenho que comprar um presente para você – Michela disse, sorrindo de leve.
 
- Não precisa me dar nada, não; o seu sorriso já é meu presente.
 
Ela ficou sem graça e começou a comer sua refeição e depois se serviu de uma gostosa sobremesa.
 
- Hummm... para quem não ia comer nada...– disse ele, ironicamente.
 
- Não venha com ironia, não, senhor Junior – disse ela, sorrindo - eu só mudei um pouco de ideia e a fome reapareceu.
 
- Tudo bem! Não está mais aqui quem falou.
 
- Ótimo e deixe-me ir andando que o professor já deve estar na sala. Eu vim de carro hoje, então espero você na hora da saída, ok?
 
- Ótimo! Então até daqui a pouco.
 
Junior ficou olhando fixamente a imagem de Michela saindo do restaurante como se nada mais existisse no mundo.
 
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O relógio marcava uma hora quando Fernandes entrou no escritório.
 
- Boa tarde, Mayara – ele disse passando pela recepção – tudo bem por aqui?

- Sim. E está tudo bem com o senhor?
 
- Sim, por quê?
 
- Por nada, é que o doutor não avisou que iria chegar mais tarde.
 
- Desculpe, é que tive que resolver um assunto antes e esqueci-me de avisá-la.
 
 - Tudo bem doutor, mas tem um amigo do senhor que o está aguardando há quase duas horas e já está bastante impaciente.
 
- Eu não me lembro de ter marcado nada para hoje de manhã.
 
- Eu também não, mas parece que é urgente, uma vez que ele veio direto de Araraquara só para falar com o senhor.
 
- Ele quem?
 
- O senhor Giuseppe Dolce.
 
-Nossa, o Giuseppe! Eu me esqueci completamente que ele ligou ontem à noite dizendo que precisava falar comigo com grande urgência e que viria ao escritório hoje pela manhã. Onde ele está?
 
- Eu o deixei na sala do senhor.
 
- Fez bem! Providencie um bom cafezinho para nós, que eu já vou levá-lo para a sala de reunião. Não deixe ninguém nos incomodar, por favor.
 
Fernandes foi para sua sala e deparou-se com Giuseppe observando um quadro que fora dado a Fernandes por uma grande amiga. O quadro retratava a esperança de um mundo melhor com rios límpidos, árvores carregadas de frutos, pessoas de todas as raças vivendo unidas, crianças brincando sem medo dos animais ferozes. Giuseppe parecia tão encantado com o que via que nem ouviu Fernandes entrando na sala.
 
- Gosta do que vê? – perguntou Fernandes.
 
- Sim, é impressionante a beleza retratada nesta pintura e me faz recordar dos tempos de menino lá na Itália, quando eu corria por entre as parreiras de uvas... Quem é o artista?
 
- É uma amiga minha e ela pinta somente para passar o tempo.
 
- Dê-me o telefone dela, eu quero encomendar um quadro neste estilo para colocar no meu escritório, pois é o tipo de arte que transmite esperança... coisa que eu já não tenho mais.... Você demorou um bocado, Fernandes!
 
Fernandes por um momento observou o outro homem e notou que ele estava um pouco abatido, mais magro, meio pálido, quase como se estivesse muito doente. Puxando a cadeira, ele convidou o amigo a se sentar e disse:
 
- Tive um contratempo, perdoe-me. Em que posso ajudar? Você não adiantou nada do que se tratava pelo telefone.
 
- Eu preferi falar com você pessoalmente, pois, se fosse por telefone, alguém poderia ouvir a nossa conversa.
 
- Então o assunto deve ser muito sério.
 
- É mais sério do que você possa imaginar.
 
- Então vamos lá, estou ouvindo.
 
- Pois bem, há dois meses eu senti uma forte dor de cabeça e uma pequena sensação de dormência no meu braço esquerdo. Marilyn me levou ao hospital. O meu médico me examinou e disse que estava tudo certo, pressão e batimento cardíaco normais, mas devido à dor e à dormência, ele pediu que eu fizesse também uma ressonância da cabeça.
 
- E você fez?

- Fiz.
 
- Qual foi o diagnóstico?
 
- Encontraram um tumor no meu cérebro.
 
- Quando será a cirurgia?
 
- Eu decidi que não vou operar.
 
- Por quê?
 
- Por que o médico disse que a cirurgia não vai ajudar em quase nada, o tumor já está muito avançado e mexer com ele iria apenas alongar um pouco as coisas. Se eu não fizer a cirurgia, terei, no máximo, seis meses de vida. Se optar por fazê-la, poderei viver mais um ano, um ano e meio, porém cego e com muitas dores.
 
- Que situação! Você já contou para sua família?
 
- Achei melhor não contar a eles, até porque falta pouco agora, um mês já se foi e em menos de cinco meses tudo estará terminado para mim.
 
- Você é corajoso, se isto fosse comigo, eu estaria arrasado.
 
- Eu também fiquei, no começo, mas depois me conformei. Já vivi muito, usufrui o melhor que a vida podia me oferecer e posso dizer que, de certa forma, eu estou satisfeito.
 
- Infelizmente, eu não posso dizer que estou contente por você, mas eu entendo o seu ponto de vista e pode contar comigo para o que precisar.  
  
- Obrigado, Fernandes, mas eu não vim aqui só para lhe trazer más notícias; vim também lhe trazer o convite de casamento da minha filha Michela, que será realizado no próximo sábado, no sítio da família do noivo. Além disso, eu também quero que você faça algumas alterações no meu testamento.
 
- Tudo bem, o que você quer que eu faça?
 
- Pouca coisa, eu só quero acrescentar um adendo e alterar dois itens.
 
- Tudo bem.
 
Fernandes pegou o telefone e discou o ramal da recepção. Mayara atendeu no segundo toque.
 
- Pois não, doutor?
 
- Por favor, Mayara, localize o doutor Edgar e peça para ele vir até a sala de reunião e que traga junto aquela pasta do Sr. Giuseppe.
 
- Vou chamá-lo doutor.
 
- Vamos para a sala de reunião, lá nós poderemos ver todos estes detalhes.
 
 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 05/07/2019
Alterado em 15/07/2019
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