FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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O trânsito estava fluindo bem já que as ruas não estavam tão movimentadas como de costume. Fernandes observava tudo distraidamente com o olhar perdido como se estivesse em outra dimensão. Rodolfo, que o observava curioso, não suportando o silêncio, perguntou:
 
- Doutor, está se sentindo bem?
 
Fernandes, ainda com os olhos fixos em ponto algum, demorou um pouco para responder.
 
De repente, ele se virou e perguntou.
 
- Você disse alguma coisa, Rodolfo?
 
- Sim, perguntei se o doutor está se sentido bem.
 
- Sim! Eu estou bem, obrigado, só um pouco preocupado com o sonho estranho que tive essa noite. Imagine que sonhei estar num baile, eu e um grande amigo de infância. Ele me apresentou a uma garota linda... Olha, foi somente um sonho, mas eu acordei assustado e não consegui mais pregar o olho.
 
- Não me pareceu tão ruim assim, doutor.
 
- Não, mas é que... ele foi um grande amigo...
 
- Foi? Não é mais?
 
Fernandes ficou em silêncio por alguns segundos como se estivesse buscando algo na memória.
 
 - Ele se chamava Marcelo – disse, finalmente - era um sujeito simples, de família humilde, mas tinha um bom coração e éramos como irmãos que praticavam muitos esportes juntos.
 
-Às vezes, ele era convidado para alguma festa e por não ter uma roupa apropriada, eu sempre lhe emprestava uma. Certa vez ele marcou um encontro no cinema com uma garota de classe média alta e queria impressioná-la, porém não tinha dinheiro nem para a pipoca e muito menos para o cinema. Era domingo, eu tinha acabado de almoçar e estava indo descansar um pouco quando o telefone tocou. Era ele que, meio desesperado, me pedia para lhe emprestar trezentos mil cruzeiros, sapatos, calça, camisa e, se possível, o carro. Na época, eu tinha um Corvette Stingray vermelho praticamente zero, com apenas 1100 km rodados, mas emprestei-lhe o carro mesmo assim.
 
- E o que foi que aconteceu com ele, doutor?
 
Fernandes respirou fundo, abaixou a cabeça e continuou:
 
- Após umas duas horas, a contar do momento em que nos falamos ao telefone, ele chegou à minha casa para apanhar o automóvel, a roupa e o dinheiro que havia pedido. Após isso, fui estudar um pouco, pois eu estava no segundo ano de direito e tinha prova na segunda-feira. Jantei por volta das vinte horas e duas horas depois eu já estava dormindo.
 
Mais ou menos lá pelas duas e pouquinho da madrugada, o telefone tocou e era da polícia. Quem atendeu foi meu tio. – Pois, naquele tempo, eu morava com os meus tios Domenico e Gorete que ficaram com minha guarda até os vinte e um anos, logo após a morte de meus pais. - Os policiais o informaram que havia ocorrido um acidente de trânsito em Santo André, no Jardim Ana Maria, próximo da Siderúrgica Vulcão. Contaram que o automóvel havia derrapado na curva e capotado várias vezes. 
 
- Quem estava conduzindo? - perguntou meu tio, desesperado.
 
O oficial no comando o informou que ainda não havia sido possível identificar o motorista, pois ele morrera no local e estava sem documentos. Havia uma jovem com ele, a Srta. Stefani A. M. Barbosa, que agora estava internada na Santa Casa e seu estado era grave.
 
Meus tios já estavam prontos para irem ao IML para reconhecer o meu cadáver quando eu, por ter sido acordado devido à conversa em voz alta, entrei zangado na sala. Quando me viu vivo, minha tia correu e me abraçou tão fortemente que eu fiquei grudado nela chorando em meu ombro como se tivesse perdido alguém muito querido. Eu não entendia o que estava acontecendo até que meu tio me informou que alguém havia roubado meu carro e sofrera um acidente fatal.
 
Na hora, eu desabei no sofá como se alguém tivesse tirado meu chão, fiquei atônito, mas consegui dizer aos policiais que o carro não havia sido roubado e, sim, que eu o emprestara a um grande amigo.
 
Fernandes se calou subitamente. Rodolfo esperou que ele continuasse. Finalmente Fernandes prosseguiu.
 
- Aquele domingo foi à última vez que eu vi meu melhor amigo, o Marcelo, com vida.
 
- Imagino como o senhor deve ter se sentido.
 
- Foi difícil... Agora veja você, que ironia, perdi o meu melhor amigo num horrível acidente de automóvel e, da mesma forma pavorosa, doze anos depois, eu perco também a minha querida esposa... Hoje, tudo o que me resta deles são apenas lembranças, as lembranças dos melhores dias da minha vida.
 
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O Cemitério da Consolação estava bem movimentado, mas não dava para saber do que se tratava, provavelmente deveria ser o funeral de alguém importante. Rodolfo deixou Fernandes na entrada e foi procurar um local para estacionar o automóvel. No estacionamento Park Center, Rodolfo perguntou à atendente:
 
- Saberia dizer-me de quem é o funeral?
 
Parecendo bastante cansada, a simpática moça sorriu e respondeu:
 
- Não, mas deve ser de algum ricaço qualquer... Você vai ficar quanto tempo?
 
- O tempo que for necessário – disse Rodolfo com cara de poucos amigos, talvez uma meia hora. Vim trazer o meu patrão para visitar o túmulo da esposa e ainda não sei quanto tempo ele vai ficar.
 
- Sei... aguarde um minuto que o funcionário virá estacionar o automóvel na vaga 2S.
 
- Obrigado, você sabe onde a gente pode tomar um café por aqui?
 
- Há várias lanchonetes que servem café na Rua Bela Cintra.
 
- Ok! Obrigado.
 
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Fernandes se misturou em meio às outras pessoas e foi até a administração do cemitério para ver se algum funcionário poderia ajudar a localizar mais depressa em que setor ficava o mausoléu da família Godoy, já que ele não voltava ali desde o funeral de sua esposa.
 
Com suas formas altivas, os ciprestes italianos tornavam o local bem arborizado e o vento trazia o perfume de variadas árvores que estavam agora floridas, fato este que tornava o lugar um pouco menos triste.
 
Fernandes avistou a administração. Havia ali, sentado em um banco de concreto, um senhor de meia-idade, muito magro, com olhos fundos e aspecto de alguém doente. Fernandes se aproximou e vendo que não tinha mais ninguém no local, virou-se para o homem e perguntou.
 
- O senhor é o administrador deste cemitério?
 
O homem não respondeu, mas continuou a olhá-lo fixamente. Fernandes achou que ele fosse cego. Aproximou-se dele, tocou em seu ombro e repetiu a pergunta:
 
- Por acaso o senhor sabe aonde posso encontrar o administrador do cemitério?
 
- Fale mais alto - disse o homem - porque eu sou um pouco surdo.
 
Fernandes repetiu a pergunta num tom mais elevado.
 
- Aonde posso encontrar o administrador?
 
- O administrador não está no momento, mas o senhor pode falar com qualquer um dos funcionários que eles o ajudarão no que precisa. Está vendo aquele moço lá – disse o homem apontando para um corredor entre os jazigos -, de uniforme marrom empurrando um carrinho? Fale com ele.
 
Fernandes fez exatamente conforme o homem o orientara e encontrou o homem negro de aspecto de cansado, trazendo no olhar uma profunda tristeza. Disse-lhe:
 
- O senhor é funcionário daqui, não é mesmo?
 
- Sim, senhor, eu trabalho aqui, mas em que posso ser útil?
 
- Bom dia. Meu nome é Fernandes Godoy. Eu quero visitar o mausoléu da minha família só que faz uns dezesseis anos que estive aqui pela última vez e muita coisa mudou desde então. Se não for incomodar, gostaria que você me informasse como...
 
- Eu o conheço de algum lugar – exclamou o homem – só não estou me lembrando de onde... Ah! Já lembrei... o senhor é advogado, acertei?
 
- Sim, sou, mas não me lembro de você.
 
- Eu não o conheço pessoalmente, quer dizer, esta é a primeira vez que eu vejo o senhor, mas há uns três anos, mais ou menos, eu vi uma foto sua num jornal. O senhor estava cuidando do divórcio do filho de um empresário ou coisa assim.
 
- É verdade! Lembro-me deste caso. Houve uma grande repercussão por se tratar de pessoa famosa.
 
- Se houve grande repercussão, eu não sei, mais gostei do senhor ter arrancado muito dinheiro dele. Sabe doutor, esses políticos pensam que só porque têm dinheiro podem pisar nas pessoas. Se a memória não falha, os jornais diziam que antes de ficar famoso ele era cortador de cana no sul de Minas Gerais.
 
Fernandes começou a ficar impaciente com a narrativa do sujeito, o homem não parava mais de falar. Percebendo que a história iria longe se não tomasse alguma atitude, ele colocou a maleta que trazia nas mãos sobre o mausoléu à sua frente. Abriu-a, retirou um cartão de visita e o deu ao cidadão que se calou abruptamente como se houvesse em suas mãos algo muito valioso. Fernandes disse:
 
- Este é meu cartão com o telefone do escritório, se um dia você precisar de um advogado é só me ligar.
 
- Muito obrigado, doutor! A minha mulher não vai acreditar que eu conheci um advogado tão famoso quanto o senhor.
 
Fernandes se despediu do homem sem obter a informação que precisava, e já havia andado uns dez metros quando, de repente, ouviu um barulho de alguém correndo, virou-se e viu que era o mesmo cidadão. Fernandes parou, esperando-o se aproximar.
 
- O que aconteceu, rapaz?
 
Ainda ofegante, quase sem fôlego, o sujeito disse:
 
- Dou... Doutor, eu me esqueci de lhe dizer como o senhor chegará ao jazigo que estava procurando.
 
- É mesmo! Mas não foi só você, também me esqueci de tornar a perguntar.
 
 O homem apontou em direção a umas árvores frondosas e várias fileiras de ciprestes ao longe, bem próximas ao muro divisório do cemitério.
 
- O senhor vai andar um pouquinho, porém quando avistar a entrada que dá para a Rua Mato Grosso, naquele meio ali bem próximo ao muro, vai encontrar o túmulo que está procurando.
 
- Obrigado pela informação, você foi de grande ajuda.
 
Fernandes viu em seu relógio que já era quase 10h00 e sentiu que o sol estava muito quente naquela manhã.


 
 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 06/06/2019
Alterado em 30/07/2019
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