FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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17
 
 
 
Depois de ter passado o fim de semana com seus pais, Marylin estava mais decidida do que nunca a pôr um ponto final em seu casamento. Os pais bem tentaram dissuadi-la de tal ideia, porém, eles acabaram por apoiá-la diante dos seus argumentos.
 
Chegando à capital às 22h da noite do domingo, ela foi diretamente para seu apartamento e, como havia dado folga aos empregados naquele fim de semana, não poderia contar com Josilene para lhe preparar um lanche ou um prato rápido. Ela então tomou um demorado banho, preparou chá com torradas e foi para a cama tendo seu poodle Bob por companhia.
 
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Era o último dia de outono, o inverno já estava se avizinhando e esta segunda-feira amanhecera fria e chuvosa.
 
Marylin acordou ainda decidida a obter a separação, pois não aguentava mais as relações extraconjugais do marido. Ele já não tinha sequer a decência de passar as noites em casa e chegava sempre de madrugada, cheirando a uísque e perfume barato e, não poucas vezes, dormia em motéis ou no escritório mesmo.
 
Suprindo a ausência do marido, - no intuito de dar o troco e suprir as suas necessidades de amor físico - Marylin contara com a companhia e o carinho de Fernandes nestes últimos três anos.
 
Embora ela e Fernandes passassem momentos inesquecíveis, ela já não suportava mais ser parte daquele triângulo amoroso e detestava aquela situação. Ela estava amando o advogado de verdade, mas tudo indicava que ele não pretendia deixar a esposa. Assim, no último encontro deles, ela havia dado um basta e queria que tudo continuasse assim mesmo significando o fim de sua falsa felicidade. 
 
Jogou o edredom para lado e, ao pôr os pés sobre o macio tapete, foi alegremente saudada por Bob, o fiel companheiro que sempre estava perto dela.
 
- Bom dia, meu menino lindo! – disse ela, ao segurar a cabeça do cãozinho por entre as mãos – você dormiu bem, meu bebê?
 
Bob latia de felicidade enquanto lambia o rosto de Marylin como se dissesse – bom dia para você também!
 
- Está bem Bob, agora chega, meu rapaz, eu preciso tomar uma chuveirada e me arrumar. Hoje eu tenho que retomar as rédeas da minha vida.
 
O cãozinho ficou deitado no tapete do closet esperando por ela. Marylin saiu do banho, vestiu-se e, alguns minutos depois, ela já estava no elevador.
 
Ao chegar à recepção, Marylin solicitou ao porteiro que lhe pedisse um táxi, uma vez que seu carro estava na oficina para a revisão de rotina. Lá fora chovia copiosamente e ela tentava puxar a gola do casaco para cobrir a cabeça quando o porteiro, assim que o táxi chegou, postou-se ao seu lado com um grande guarda-chuva.
 
- Posso acompanhá-la, senhora Marylin? – disse o porteiro, abrindo o guarda-chuva.
 
- Por favor – disse ela, esboçando um breve sorriso.
 
Ela entrou no carro e o porteiro fechou a porta.
 
- Obrigada, ela disse.
 
- Disponha sempre que precisar.
 
Marylin gesticulou com a cabeça em aquiescência e, fechando o vidro, pediu ao motorista:
 
- Leve-me à Alameda Santos, número 3000, por favor.
 
- Sim, senhora! - disse o taxista.
 
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Ao chegar ao prédio, Marylin foi para a recepção. Uma simpática morena a atendeu.
 
- Pois não, senhora! Em que posso ajudá-la?
 
- Eu preciso ir ao escritório do Dr. Hermes Pacheco.
 
- Um momento.
 
A recepcionista digitou 234 no PABX, levou o fone ao ouvido e ficou esperando. No terceiro toque, a secretária atendeu:
 
- Advocacia Pacheco, Yara, bom dia.
 
- Bom dia, Yara; é a Pamela da recepção. A senhora Nakao está aqui, posso deixá-la subir?
 
- Senhora Nakao...um momento vou verificar se ela tem hora marcada.
 
Deixando Pamela na espera, Yara olhou a agenda e não havia nenhuma Nakao agendada. Digitou o ramal da sala do Dr. Hermes.
 
- Sim, Yara – disse Hermes, ao levar o telefone ao ouvido.
 
- Tem uma Sra. Marylin Nakao na recepção, porém ela não tem hora marcada, posso deixá-la subir?
 
- Marylin Nakao... Nakao... Ah! sim... pode mandar subir, ela é a esposa de um amigo meu.
 
- Está bem, doutor.
 
Yara desligou a linha da sala do advogado e voltou a falar com Pamela.
 
- Oi Pamela, pode deixar a Senhora Nakao subir.
 
- Sra. Nakao, pode subir, - disse Pamela, enquanto devolvia o fone à base – a senhora sabe aonde é?
 
- Sim, 15° andar, sala 1284. Certo?
 
- Exatamente.
 
Saindo do elevador, Marylin caminhou até o fim do corredor. Tudo estava diferente por ali. O prédio havia passado por uma reforma interna desde a última vez em que ela estivera ali. A recepção do escritório de advocacia que antes era de vidro, agora era revestida de paredes de madeiras num estilo colonial, tudo bem entalhado. Antes todos viam o interior da recepção já ao entrar no ambiente; agora tudo era fechado, os clientes não podiam ver quem estava lá dentro, contudo a recepção podia vê-los através da câmera que ficava na parede. Marylin tocou o interfone e a porta foi destravada imediatamente. Ela girou a maçaneta e entrou. 
 
- Bom dia, Sra. Nakao! Tudo bem? Há quanto tempo a senhora não nos dava a honra de sua visita. Sente-se, o Dr. Hermes já vai atendê-la.
 
- Obrigada.
 
- A senhora aceita um café, uma água?
 
- Não, obrigada.
 
Marylin, embora aparentasse estar calma, estava em pânico por dentro. Afinal, estava prestes a dar um novo rumo à sua vida e, mesmo com a agradável temperatura ambiente, ela sentia um frio mórbido na alma. Para fugir dos seus conflitos e pensamentos, ela pegou uma revista e começou folheá-la. Quando ia devolvê-la ao revisteiro, o interfone da recepção tocou.
 
- Yara, mande a Sra. Nakao entrar.
 
- Sim, doutor.
 
- Sra. Nakao, o Dr. Hermes vai atendê-la agora, queira me acompanhar, por favor.
 
Marylin acompanhou Yara que saiu da recepção e seguiu para um pequeno corredor, passou por duas portas; na terceira, Yara bateu levemente na porta e entrou.
 
- Com licença, Dr. Hermes, a Sra. Nakao.
 
Quando Marylin entrou a sala, a recepcionista fechou a porta e voltou para seu posto.
 
- Bom dia, Marylin – disse o advogado levantando-se da cadeira.
 
- Bom dia, Hermes, desculpe vir sem hora marcada, mas tinha que falar com um profissional, um advogado - e não conheço ninguém melhor do que você.
 
- Fico honrado, mas sente-se, em que posso lhe ser útil?
 
Marylin olhou para a foto do advogado pendurada na parede logo acima da cabeça dele.
 
O quadro exibia a imagem de um jovem segurando o canudo de formatura na mão. Voltou o olhar para o homem à sua frente que agora já não era tão jovem e exibia barba farta, boas entradas na testa larga provocadas pelo passar do tempo, além de cabelos bem grisalhos. Sim, aquele homem ainda não era um velho, mas já era um profissional maduro, respeitado e que inspirava respeito.
 
- Quero me divorciar de David – disse Marylin olhando para as mãos agora postas sobre bolsa que trazia no colo.
 
Hermes a olhou por um longo momento estudando-a em silêncio já que o fato de Marylin estar de cabeça baixa denotava seu pesar e sua incerteza.
 
- Você está convicta de que é isto mesmo o que você quer? – perguntou o advogado – e mais: você se lembra dos termos constantes do seu contrato de casamento?
 
- Sim! Ele reza que se houver relacionamento extraconjugal, de qualquer uma das partes, a parte traída terá que abrir mão de cinquenta por cento de tudo que adquiriu após a união.
 
- Muito bem, e houve algum relacionamento deste tipo de alguma das partes neste período?
 
- Sim, de ambas as partes, mas ele me traiu primeiro.
 
- Entendo, mas isto nos constituirá num grande problema... Você tem como provar que ele teve ou tem relacionamentos extraconjugais?
 
- Não. Nunca quis saber nem ver nada sobre isso.
 
- A minha experiência nestes casos me diz que você tem um grande problema...  será uma separação que só lhe trará prejuízos, a menos que...
 
- A menos que?
 
- Que você consiga provas de que ele mantém relacionamentos fora do casamento.
 
- Essa é a parte difícil, eu sei que ele tem casos por aí, mas nunca o vi com ninguém.
 
- Sei.
 
Hermes pegou uma folha do bloco de anotações e anotou um nome e número telefônico.
 
- Procure esta pessoa... talvez ele possa te ajudar – disse ele empurrando o papel para Marylin – quando você tiver as provas a seu favor volte a me procurar e verei por onde poderemos começar.
 
Enquanto Marylin guardava o pedaço de papel na bolsa, o telefone tocou.
 
- Com licença – disse Hermes, enquanto tirava o fone da base – Alo!
 
- Dr. Hermes – o Dr. Ronaldo já chegou.
 
- Ótimo, diga a ele que já vou recebê-lo.
 
- Marylin, perdoe-me, mas agora terei que atender outro cliente.
 
- Sem problemas, eu já vou indo. 
 
- Por enquanto, seria bom que você não comentasse nada com o David sobre sua intenção de se divorciar dele.  Deve esperar até ter as provas em mãos.
 
- Tudo bem, Dr. Hermes. Obrigada, por enquanto – disse ela e saiu da sala.
 
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Marylin saiu meio aturdida do escritório de advocacia. Ela não queria viver sob o mesmo teto que o marido, mas também não podia abrir mão da metade do seu patrimônio em prol daquele canalha.
 
Ao casar-se, ela investira tudo que tinha na academia sem nenhuma ajuda de David, então não seria justo dar cinquenta por cento de seu patrimônio para alguém que, ainda por cima, a traíra de forma descarada. Além da academia, ela tinha também o flat que comprara para se encontrar com Fernandes.
 
Se também não tinha respeitado o contrato matrimonial, ele fizera sempre muito pior; assim, independentemente dos fatos, não era justo que só ela saísse perdendo naquele divórcio.
 
Ao passar pela recepção, Marylin estava tão absorta em seus pensamentos que nem se dera conta de devolver o crachá. Quando já estava saído do prédio, o segurança percebeu que ela levava o crachá pendurado ao blazer.
 
- Moça – disse o segurança, ao se aproximar – moça, me devolva o crachá, por favor.
 
Marylin olhou assustada para o segurança.
 
- A senhora esqueceu-se de devolver o crachá na recepção.
 
- Desculpe, nem me lembrei dele. Aqui está – disse ela, devolvendo-o ao segurança – e você saberia me informar onde fica o ponto de táxi mais próximo?
 
- Claro! Tem um no final da segunda rua, à esquerda, mas posso pedir à recepcionista que solicite um para a senhora.
 
- Ótimo!
 
- Aguarde aqui que eu vou devolver o crachá e pedir à Pâmela para lhe solicitar um táxi.
 
- Obrigada.
 
Não demorou muito e o táxi parou em frente ao prédio e o segurança abriu a porta para Marylin que mais uma vez o agradeceu pela gentileza. Enquanto o segurança fechava a porta, o taxista perguntou:
 
- Para onde, moça?
 
- A Avenida Brigadeiro, 1485.
 
Na academia, ela se dirigiu diretamente à sua sala e digitou todas as informações a serem encaminhadas ao detetive no seu computador particular. Tendo concluído o texto, ela o imprimiu e colocou as páginas num grande envelope - tudo conforme o advogado a orientara. Ligou para a recepção.
 
- Sim, Sra. Marilyn – disse Priscila, a recepcionista.
 
- Priscila, mande o boy vir pegar uma correspondência para ser levada ao destinatário ainda hoje.
 
- Sim! Sra. Marilyn, eu mandarei o rapaz imediatamente.
 
- Obrigado, Priscila.
 
Enquanto Marilyn colava a etiqueta do destinatário, o boy chegou.
 
- Entre – disse ela.
 
- Com licença, dona Marilyn, a senhora quer falar comigo?
 
- Sim, eu preciso que você entregue esta correspondência agora mesmo no endereço indicado – disse ela estendendo o envelope. É urgente.
 
-Sim, senhora, eu vou levar imediatamente.
 
- Obrigado.
 
 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 21/04/2019
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