FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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Pegando o carro na locadora já perto das vinte horas, Fernandes dirigiu o mais rapidamente que pode. A sorte foi que o trânsito nas ruas de São Paulo estava fluindo normalmente e, assim, às vinte e duas horas ele já se encontrava no local combinado. Não havia o menor sinal do carro que levaria Rosângela até ali, então estacionou no acostamento e, de sob o banco do motorista, ele retirou a pistola 9mm juntamente com o pacote de dinheiro que trouxera para pagar Rafael pelo serviço especial. Ele verificou a munição da arma e a colocou em baixo da coxa esquerda recostando-se, a seguir, no banco. Mas embora estivesse muito cansado, não conseguia cochilar, ficando ali apenas de olhos fechados.
 
Passado uns vinte minutos naquela modorra, ele percebeu quando um automóvel passou e parou poucos metros à frente. Abriu os olhos e observou atentamente que um homem usando jeans, jaqueta de couro e boné saltou do carro e, por não reconhecê-lo àquela distância, Fernandes pegou a pistola já destravando-a. O homem contornou o carro e abriu a porta do passageiro de onde saiu uma mulher usando jeans e blazer e com cabelos amarrados num rabo de cavalo simples. Fernandes, agora reconhecendo Rosângela, piscou duas vezes os faróis, depois pegou o envelope de pagamento e saiu do carro, deixando a pistola sobre o banco do motorista.
 
- Boa noite, Rafael – disse ele indo em direção ao carro.
 
- Boa noite, Fernandes, desculpe-me por deixá-lo esperando, é que pegamos trânsito na estrada.
 
- Não se preocupe, esperei apenas uns vinte minutos - disse Fernandes abraçando o amigo – muito obrigado por este grande favor! E aqui está o valor combinado – disse, entregando o pacote a Rafael.
 
- Meg e as crianças, como estão?
 
- Todos bem, obrigado; e você, quando é que vai ter um filho?
 
- Ele acabou de chegar - disse Fernandes rindo.
 
-Verdade?
 
- Eu já sou papai também, cara, meu filho nasceu nesta madrugada.
 
- Puxa, que bom! Até que enfim! Venha cá, me deixe lhe dar outro abraço, meu irmão. Meus parabens!
 
- Obrigado, depois que passar esta correria precisamos combinar um bom churrasco.
 
- Sim, podemos marcar pra qualquer dia desses.
 
- Perfeito, ligarei para combinarmos. É melhor a gente ir para não dar bandeira ficando parados aqui tanto tempo... e eu ainda tenho que voltar para São Paulo.
 
- Muito certo!  Dê um abraço apertado em Weruska. E também os meus sinceros parabéns!
 
- Serão dados. Até mais, amigo!
 
Fernandes pôs a mala de Rosângela no banco de trás e seguiram para o sítio em silêncio. Algum tempo depois, aos trancos e barrancos, chegaram e ele mostrou todas as depêndencias da casa para ela.
 
- Será melhor que você use o seu nome de solteira e evite ir muito à cidade, mas se for, aja discretamente para não chamar atenção. Talvez fosse melhor você mudar também a cor do seu cabelo. Talvez tenha alguma tinta para cabelo no banheiro de Weruska. E eu vou deitar um pouco, tirar um pequeno cochilo, nada mais que meia hora para aguentar dirigir de volta a São Paulo. Por favor, se eu passar dos trinta minutos, voce poderia me acordar?
 
- Sim, claro.
 
- Vou ficar no sexto quarto, bem no fim do corredor.
 
Deixando Rosângela no quarto de hóspedes, ele foi para o seu quarto, colocou o blazer sobre uma poltrona perto da porta e se jogou na cama dormindo quase imediatamente.
 
Rosângela revirou o gabinete do lavabo e nada achou, mas encontrou tinta para cabelos ruivos no banheiro maior. Em pouco mais de uma hora, ela havia se transformado de uma linda morena em uma estonteante ruiva e agora estava no quarto olhando Fernandes dormir profundamente.
         
- Dr. Fernandes – chamou ela.
 
Ela teve pena de acordá-lo, pois ele dormia pesado, o que era de se esperar depois de mais de trinta horas sem dormir, mas sabia que ele precisava ir embora.
 
- Fernandes – ela chamou novamente, tocando-o nas costas e pressionado levemente – acorde, Fernandes.
 
- O que foi – rosnou ele – quem morreu?
 
- Ninguém morreu, Dr. Fernandes. Sou eu, Rosângela, pediu-me para acordá-lo, lembra-se?
 
Ele se virou, esfregou os olhos e piscou várias vezes até que a viu claramente à beira da cama.
 
- Nossa, que diferente você ficou! Gostei deste novo look, está muito bonita e ficou com a pele mais clara.
 
- Obrigada, segui o seu conselho. Deu trabalho pintar meu próprio cabelo, mas depois que encontrei uma tinta de fácil coloração em outro banheiro, acho que me saí bem. Depois colocarei outra lá. – disse ela, pegando uma mecha de cabelos que estava sobre o seu busto.
 
-Ficou ótimo! Quanto à reposição, não se preocupe, Weruska só se lembra dessas coisas quando a gente vem passar as férias aqui.
 
Olhando seu relógio, Fernandes exclamou:
 
- Caramba! Eu dormi por quase duas horas.
 
- Eu peço desculpas, é que fiquei meio atrapalhada com a tintura e esqueci-me de vir chamá-lo.
 
- Tudo bem, eu precisava descansar mesmo – disse ele ao se levantar – pois eu já estava trinta horas ou mais sem dormir.
 
Caminhou até a poltrona onde havia deixado o blazer e, enquanto o vestia, disse:
 
- Para todos os efeitos, se alguém perguntar o seu nome, você é agora a Srta. Rosângela Vespotulo como está anotado em sua ficha no meu escritório. Você não estará mentindo, pois estará apenas usando seu sobrenome de solteira. Tudo isto será por pouco tempo, pois tão logo seja expedido o pedido de prisão preventiva, eu entrarei com um pedido de Habeas Corpus - e já que você é uma ré primária e as provas não são tão contundentes assim, certamente o juiz não irá negá-lo.
 
- Eu nem sei como agradecer tudo que está fazendo por mim!
 
- Não se preocupe – disse Fernandes piscando para ela – no fim do mês eu te mandarei uma bela conta.
 
- Ela sorriu para ele, dizendo – é justo.
 
- Que bom ver você sorrir! Se precisar de alguma coisa, fale com o administrador e ele providenciará para você. 
 
- Não se preocupe, eu trouxe dinheiro para alguma emergência.
 
-Ótimo! Até breve. Eu manterei contato.
 
Saindo do sítio, Fernandes decidiu pegar uma rodovia alternativa e mais deserta evitando ser visto no local.
 
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O relógio do painel do carro marcava três e dez da manhã quando ele entrou em São Paulo.  A lua estava linda parecendo um imenso globo no azul do céu e não havia trânsito nenhum, assim ele acelerou bastante e em trinta minutos já estava entrando no quarto da maternidade onde Weruska dormia como um anjo. Ele afastou uma mecha de cabelo que cobria os lábios dela, inclinou-se e a beijou suavemente. Quando ele se aproximou do berço junto à cama, Weruska acordou e ficou observando Fernandes olhar para o filhinho.
 
- Oi, - disse ela – que horas são?
 
- Quatro da manhã. – disse ele, consultando o relógio.
 
- Ele não é lindo, amor?
 
- Sim, querida – disse ele, quase sussurrando – nosso bebê é lindo como você!
 
Caminhando de volta a cama, Fernandes sentou-se ao lado da esposa e com as mãos entre as dela, disse:
 
- Este é o melhor presente que você já me deu!
 
- Ele é o fruto do nosso amor, querido.
 
- E é um lindo fruto.
 
Ele levou a mão dela até os lábios e a beijou. Weruska, emocionada, deixou cair uma lágrima solitária que enxugou com as costas da mão. Mais tranquila, ela disse.
 
- Você nem vai adivinhar quem esteve aqui esta noite!
 
- Não faço a mínima ideia.
 
- Você se lembra daquele casal que conhecemos no restaurante da praia? Foi da última vez que lá estivemos.... Lembra?
 
- Sim... e, se não me falha a memória, o nome dele era David... e ela... Marilyn.
 
- Exatamente. Foi ela mesma, a tal Marilyn, que veio aqui. Trouxe-me um arranjo de flores e um macacãozinho para o Junior - coisinha linda de se ver. Mas confesso que fiquei surpresa com a visita tão inesperada, querido.
 
- Parece-me que ela tem uma academia esportiva e nosso departamento de consultoria está prestando serviços para a empresa dela. Certamente, alguém contou a ela sobre Junior e só quis ser gentil conosco.
 
Enquanto eles assim conversavam, o bebê choramingou. Indo ver o filho, Fernandes aproveitou para sair pela tangente e cortar o perigoso assunto.

 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 29/03/2019
Alterado em 03/04/2019
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