FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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Fernandes estava de fato feliz com a chegada de seu primogênito e sua felicidade aumentara com a surpresa de última hora que Weruska lhe fizera dando seu nome ao bebê. Entanto, este seu contentamento brevemente seria roubado devido a uma reviravolta no caso Gaspar, embora ele de nada soubesse ainda.
 
Já passava das onze horas quando Fernandes estacionou no segundo subsolo do edifício onde ficava seu escritório. Ainda era cedo para almoçar, mas o fato de continuar em jejum estava lhe dando uma ligeira dor de cabeça, já que ele não fora à lanchonete da maternidade. Para falar a verdade, por causa de toda a correria, ele não tivera tempo para tomar o banho da manhã nem nadar os quatrocentos metros do seu exercício matinal diário antes de sair para o trabalho e sentia falta deles agora.
 
Ao passar pela recepção, Mayara o encarou como se ele fosse um excêntrico, um daqueles personagens das histórias do escritor irlandês Abraham “Bram” Stoker. Fernandes bem que percebeu um ar estranho no jeito da moça, porém nem fez questão de saber o que era achando que era pelo seu atraso.
 
- Bom dia, Mayara! Há alguma novidade para hoje?
 
- Bom dia, doutor! Sim, esteve aqui o senhor Nikolas logo cedinho... e ele deixou este envelope, recomendou muito que eu o entregasse assim que senhor chegasse – disse ela, entregando-o ao advogado.
 
- Está entregue, obrigado – disse Fernandes abrindo-o ali mesmo e retirando a folha de papel do interior do envelope, passou a ler o seu conteúdo em silêncio.
 
 
Bom dia, amigo,
 
Como você me pediu para ficar de ouvidos atentos, concernente a alguma nova informação sobre o caso Gaspar, sinto informar que o delegado adjunto decidiu que hoje vai pedir ao juiz para expedir o pedido de prisão preventiva para a Sra. Rosângela Gaspar.
 
Desculpe por não ter conseguido avisar ontem mesmo. Tentei contatá-lo por telefone, mas não o encontrei em seu escritório nem em sua casa. Espero que não seja tarde demais.

 
Abraço.
 
- Que droga! Mais essa agora! – disse Fernandes socando o bilhete no envelope.
 
- Está com algum problema, doutor? Há algo que eu possa ajudar?
 
- Um, deixe-me ver... sim, ligue para a Sra. Rosângela e peça a ela para estar no Restaurante Trianon, às 13h30 min sem falta!
 
- Sim, senhor! Está tudo bem mesmo?
 
- Sim! Por que você está me olhando assim desde que cheguei aqui?
 
- É que o senhor ainda está com a touca hospitalar na cabeça!
 
- É loucura – mas não é nada muito grave, disse Fernandes rindo e já arrancando aquilo da cabeça –. Eu passei a noite no hospital, pois Weruska deu a luz nessa madrugada. Sai do hospital tão feliz e atordoado com a nova situação que até me esqueci de retirá-la.
 
- Meus parabéns, doutor! É menino ou menina?
 
- É um meninão, nasceu com quase três quilos.
 
- Que maravilha! Esta noite eu irei ao hospital visitá-la.
 
- Faça isso, ela ficará feliz com a sua visita. Mayara, eu vou agora me lavar e trocar pelo menos de camisa, então não me passe ligações antes de meia hora.
 
- Sim, doutor, eu providenciarei tudo que solicitou. Fique tranquilo!
 
 
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Mas assim que entrou em sua sala, Fernandes fechou bem a porta e do seu telefone particular ligou para um amigo do tempo do exército, que agora possuía uma empresa na área de segurança. Nervoso, ele aguardou a sua ligação ser atendida.
 
- Falcão Noturno. Karla falando, bom dia! - disse a secretária.
 
- Bom dia, Karla. É o Dr. Fernandes. O Rafael está por aí?
 
-  Está sim, doutor, já vou transferir para a sala dele.
 
Rapidamente, Karla digitou o ramal do seu patrão.
 
- Pois não, Karla – disse Rafael ao atender a ligação.
 
- O Dr. Fernandes está na linha querendo falar com o senhor.
 
- Tudo bem, pode passar.
 
- Vou transferir imediatamente.
 
- Bom dia, Rafael, tudo bem?
 
- Tudo bem, Fernandes; em que posso ser útil, meu amigo?
 
- Estou precisando que você me faça um grande favor, coisa particular e sigilosa...  e pagarei o que for preciso.
 
- Amigo, nem precisa dizer-me nada, pois você já me fez tantos favores que, seja lá qual for o seu pedido, eu farei com prazer.
 
- Que bom ouvir isto! Veja bem, trata-se de uma cliente que foi casada com um calhorda cujo histórico mostra-nos que gostava mesmo de maltratar suas mulheres. O problema todo é que ele morreu em um acidente doméstico e, a princípio, as provas apontam sua viúva como o assassino mais provável. Eu discordo totalmente deste parecer; mas o fato mais grave é que eu soube através de meu contato no Fórum que já estão articulando um pedido de prisão preventiva para ela, provavelmente será expedido amanhã mesmo.
 
- Fernandes, sinceramente, eu ainda não entendi o que você quer fazer.
 
- Você me conhece, Rafael, sabe que não gosto de burlar a justiça, mas meu instinto, neste caso, diz que a minha cliente é inocente. O que queria pedir é que você a esconda por algum tempo, mas somente até que eu consiga entrar com um recurso e ela possa responder ao processo em liberdade. Só confio em você para tal tarefa, meu amigo!
 
- Sim, entendi. Vamos elaborar um plano de ação, pois terá que ser algo muito bem feito para que nada possa ligar você ao desaparecimento dela. Deixe-me ver... hummm.... eu vou fazer a escolta do famoso publicitário David Nakao. Ele segue hoje para o Rio de Janeiro onde é esperado para dar uma palestra num Congresso de grandes empresários do ramo e só voltará amanhã. Façamos da seguinte forma...
 
E Rafael passou a explicar detalhadamente como fariam Rosângela desaparecer sem deixar pistas nem rastros.
 
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Nos últimos três meses, a polícia científica trabalhara exaustivamente no caso Gaspar. Foram feitas muitas investigações no interior da casa.  Colheram impressões digitais, retiraram material para análise do ralo e também do sifão da pia do banheiro. Fizeram, enfim, tudo que estava ao alcance deles, pois as provas diziam que a morte de Júlio Gaspar não fora um simples acidente doméstico - e todas as linhas da investigação convergiam unicamente para sua viúva.
 
A polícia ainda falou com os vizinhos, entrevistou vários conhecidos da família para saber como era a vida daquele casal, mas todos diziam que eles pareciam um casal bem normal. Amigos mais próximos afirmavam que eles tinham as suas divergências, sim, porém tudo terminava em beijos e abraços.
 
Quando Fernandes chegou ao restaurante, Rosângela já o aguardava no hall de entrada. Fazia pouco mais de um mês que ele não a via. Ela parecia abatida e mais magra, mas a verdade é que continuava um belo exemplar feminino. Ela estava usando um tailleur preto com a saia um pouco acima do joelho, blusa branca delicada, brincos de pérolas; tinha o cabelo num rabo de cavalo e usava um grande par de óculos escuros como se estivesse tentando não ser reconhecida.
 
-Boa tarde, Sra. Rosângela – disse Fernandes, estendendo-lhe a mão - Como tem passado?
 
- Mais ou menos, obrigada – disse ela, dando-lhe dois beijinhos no rosto.
 
Fernandes estranhou o cumprimento tão amistoso, mas se absteve de comentar qualquer coisa.
 
- Vamos entrar – disse ele, oferecendo-lhe passagem para o interior do restaurante num gesto cavalheiresco.
 
Fernandes permitiu, por um breve momento, que o seu olhar se desviasse para o quadril de Rosângela, pois ela parecia quase flutuar pelos espaços entre uma mesa e outra num movimento naturalmente feminino e muito atraente. A saia, bem ajustada ao corpo, tornava a visão mais que sensual e isto fez com que Fernandes imaginasse todo o restante. Tentando desvencilhar-se da imagem sedutora, ele desviou o olhar para as pernas dela, - coisa que não ajudou em nada, uma vez que também eram belas e torneadas.
 
- Tem passado bem? - disse para dissipar aquele momento sensual.
 
- Sim, - respondeu ela, reparando no olhar dele. – pareço melhor agora?
 
Fernandes ficou sem graça ao ver que ela descobrira seu interesse e tentou não se comprometer ainda mais.  Logo achou algo para se justificar:
 
- É que quando nos vimos, você estava muito triste e chorosa.
 
- Em outras palavras, eu parecia uma pessoa desequilibrada, não é o que quer dizer? – disse ela em tom amável.
 
- Não... não foi bem isso que quis dizer.
 
- Não se preocupe, eu estava mesmo fora de mim - e sorriu de modo cativante.
 
- Bem, é você que está dizendo – disse ele puxando a cadeira para ela.
 
Enquanto Fernandes se acomodava na cadeira o garçom veio buscar seus pedidos. Não era do estilo de Fernandes tomar qualquer atitude que obstruísse a ação da Justiça. Teria que abrir uma exceção no caso de Rosângela, pois sentia a urgente necessidade de protegê-la das arbitrariedades que, por vezes, os agentes da lei cometiam fosse por negligência fosse por ideia preconcebida. Quando o garçom saiu em busca do que lhe fora solicitado, Fernandes ficou tamborilando as pontas dos seus dedos sobre a mesa.
 
-Tudo bem, Dr. Fernandes? – perguntou Rosângela – parece meio... nervoso.
 
- Não... Está tudo bem. - disse ele olhando em torno do salão do restaurante.
 
-Tem certeza?
 
- Sim, está tudo ótimo.
 
- Parece meio agitado. Estamos esperando mais alguém?
 
- Não, só estou um pouco ansioso.
 
De repente, ele parou o gesto irritante e olhou sua cliente diretamente nos olhos como se decidindo por uma coisa importante. Rosângela não desviou o olhar, mas logo sentiu um arrepio percorrer suas costas visto que o advogado continuava a encará-la de modo penetrante. Sentindo-se incomodada, ela perguntou:
 
- Estamos aqui por alguma razão em especial?
 
- Sim, - disse ele, agora olhando para as próprias mãos – precisava falar com você urgentemente. Contudo, antes lhe dizer algo aqui, eu preciso que você me responda uma pergunta.
 
- Faça-a, então! – disse Rosângela com ar de desconfiança.
 
- Com a máxima sinceridade, diga-me se você nos contou toda a verdade na noite em que seu marido morreu: que vocês discutiram na hora do jantar e que você lhe arremessou somente a travessa de arroz.
 
- Sim, doutor, foi exatamente isto que aconteceu.
 
- Posso mesmo confiar em você e no que está dizendo?
 
- Claro que sim, doutor, eu não o matei como a polícia parece acreditar.
 
- Está certo, então.
 
Fernandes tornou a olhar fixamente nos olhos dela tentando visualizar algum sinal de que estivesse mentindo, mas ela sustentou o olhar dele muito bem.
 
- Vamos lá! – disse ele – Por uma fonte confiável, eu soube que amanhã vai ser expedido o pedido de prisão preventiva para você. Em vista disso, e apenas para ganharmos algum tempo, farei por você algo que jamais fiz por cliente algum. Quero antes saber: você notou se a sua casa está sendo vigiada ou se foi seguida até aqui?
 
- Creio que não.
 
- Notou algum carro diferente parado próximo à sua casa?
 
- Não, pareceu-me tudo normal.
 
- Sim, mas, por via das dúvidas, vamos fazer assim: você vai para casa agora, estaciona o carro na garagem, entra e arrume somente os itens indispensáveis de higiene mais duas mudas completas de roupas numa pequena mala. Saia cuidadosamente e vá para o aeroporto, compre uma passagem no primeiro voo para o Rio de Janeiro com cartão de credito. Lá chegando, você vai comprar outra passagem em qualquer avião que tiver um assento disponível, servirá qualquer país, pois você não vai embarcar nele. Ficará na recepção esperando uma pessoa que irá te encontrar, então faça tudo que ele disser para fazer e, por fim, você embarcará em um avião particular que a deixará no aeroporto de São José dos Campos. Uma vez lá, outra pessoa a levará para um sítio nas imediações de Nazaré Paulista. Mas ouça-me bem: para que tudo isto dê certo e funcione direitinho, você não poderá falar nada disto com ninguém, compreendeu?
 
- Sim, doutor, eu entendi. Sigilo absoluto.
 
- Isto! Se estiverem observando você, nossa ideia é que fiquem andando em círculos. Enquanto isso, eu criarei alguma boa estratégia para deixar você livre. É só confiar em mim e seguir esse plano à risca.
 
- Será que tudo isto não irá piorar a minha situação perante a Justiça, doutor?
 
- Não, só queremos que eles pensem que você fez uma viagem inocente. Depois você irá se apresentar como se não soubesse de nada.
 
Rosângela saiu do restaurante. Fernandes esperou uns quinze minutos, pediu a conta e dirigiu-se ao seu escritório.

 

 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 14/03/2019
Alterado em 22/03/2019
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