FelipeFFalcão

Contos versos e poesias

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O escritório de advocacia Godoy & Associados defendia causas jurídicas em todos os segmentos e também prestava serviço de consultoria para inúmeras empresas. Este último setor era seu departamento mais rentável e quem o chefiava era o obstinado Wladimir, homem já bem entrado na casa dos quarenta que não gostava de deixar nada para fazer depois. Com ele, tudo tinha que ser preciso e pontual. Mesmo assim, nos últimos três meses, Fernandes começou a perceber que a inadimplência no setor de consultoria vinha crescendo de modo incomodativo. Não era ainda uma coisa para se alarmar, mas a firma já estava perdendo dinheiro.
 
Na manhã seguinte, dez minutos após a chegada de Fernandes, Wladimir entrou munido de uma pasta preta. Embora a diferença de idade entre ambos fosse de quase quinze anos, não havia formalidade entre eles e se tratavam pelo nome, pois além de sócios, eram amigos. No começo, quando se tornaram sócios, Fernandes ainda mantinha o senhor em suas conversas até que Wladimir afirmara categoricamente: “Eu não gosto que me chamem de senhor, uma vez que Ele está no céu e eu sou apenas um pequeno átomo sobre a terra que, se hoje existe, amanhã se dissipará”.
 
- Bom dia! - disse Wladimir, entrando.
 
- Bom dia, Wlad, como tem passado?  – disse Fernandes levantando-se para cumprimentar o amigo.
 
- Nayára avisou-me ontem que você queria falar comigo, mas que depois saiu para reunião de última hora. Assim, aqui estou.
 
- Ah! Sim... realmente – balbuciou Fernandes demonstrando seu desconforto em falar sobre aquilo. – Estive verificando as finanças do escritório ontem e notei que o seu setor vem apresentando grande índice de inadimplência. Claro que já deve ter notado também, mas eu gostaria de saber como isto ocorreu e o que podemos fazer para solucionar o problema.
 
- Bem, eu já esperava que o assunto fosse este mesmo, claro. Na verdade, o vilão de tal inadimplência é a escorchante inflação que a tudo inflaciona. Você chegou a verificar o memorando que enviei no mês passado?
 
- Não, eu confesso que não dei muita atenção a ele, infelizmente.
 
- Não tem problema, eu trouxe outra cópia para você – disse Wladimir retirando de sua pasta um calhamaço de páginas e entregando-as a Fernandes – aí tem você a lista dos nossos inadimplentes e os motivos que eles nos alegaram para tal fato estar acontecendo.
 
Fernandes pegou o relatório, mas nem se deu o trabalho de folheá-lo atentamente, apenas colocou-o de lado em sua mesa.
 
- Wlad, eu sei que o país está em crise, mas nós somos prestadores de serviço e se fazemos nossa parte com perfeição e presteza, o cliente ficará satisfeito, claro. Então, nós teremos cumprido com o nosso dever e o dever deles será nos pagarem pontualmente.
 
- Eu entendo o seu lógico argumento, meu amigo – disse Wladimir num tom consternado – mas me vejo de mãos atadas e confesso que, em parte, a culpa é minha.
 
- Não se martirize agora, Wlad, pois aqui somos uma boa equipe, portanto juntos iremos solucionar esta pequena crise. Por favor, convoque urgentemente uma reunião com todos esses inadimplentes, se possível hoje no final da tarde, o mais tardar amanhã cedinho. Vamos encontrar logo uma boa solução já que não podemos deixar que isso se torne uma bola de neve sem controle.
 
- Certíssimo. Vou agilizar os meus contatos imediatamente.
 
Visivelmente constrangido com a situação de seu departamento, Wladimir se retirou da sala. Porém não estava chateado com Fernandes que, como sócio majoritário, tinha todo o direito de cobrar atitudes e soluções, além de chamar a atenção para os possíveis déficits da empresa.
 
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Às dezessete horas em ponto, todos os representantes das empresas constantes no relatório de inadimplência de Wladimir, estavam já presentes no grande auditório para a reunião convocada. Acomodando-se à mesa da presidência, Fernandes tinha agora Wladimir ao seu lado direito e sua secretária assentada do lado esquerdo. O advogado cumprimentou a todos com uma ‘boa tarde’ bem cordial. Usando de estudada concisão em suas abordagens inicias, ele começou:
 
- Caros amigos e parceiros. Convocamos esta reunião emergencial para juntos, descobrirmos uma boa solução para nosso problema atual.  Creio que é sabido por todos estar o país em crise financeira, mas para entendermos de uma forma clara e direta o que realmente tem levado muitos à falência, nós faremos um breve retrospecto explanando ligeiramente sobre o plano Collor e suas consequências gerais.
 
Ao ouvir o nome de Collor, ouviu-se um burburinho geral entre os presentes. Via-se nitidamente a insatisfação na face de alguns, talvez julgando que ouviriam uma enfadonha palestra somente com o fito de serem convencidos a pagar seu saldo devedor com os extorsivos juros vigentes. Fernandes não se acovardou ante aqueles resmungos e começou a discorrer sobre o proposto.
 
- Vamos voltar um pouco ao início da década em que estamos. Em 15 de Março de 1990, Fernando Collor de Melo foi empossado presidente e neste mesmo dia nasceu o "Plano Collor".
 
A inflação em um ano, de março de 1989 a março de 1990, chegou a 4.853% e, no governo anterior, vários planos para conter a inflação fracassaram. Depois de sua posse, Collor anunciou o famigerado pacote econômico no dia 15 de março de 1990, o Plano Brasil Novo.
 
Esse plano, como vocês bem sabem, tinha como objetivo pôr fim à crise, ajustar a economia e elevar o país do terceiro para o primeiro mundo. O “cruzado novo” foi substituído pelo "cruzeiro" e foram bloqueados os saldos das contas correntes, das cadernetas de poupança e dos demais investimentos superiores a Cr$ 50.000,00, isso pelos 18 meses seguintes
 
Os preços foram tabelados e depois liberados gradualmente. Os salários foram pré-fixados e depois negociados entre patrões e empregados. Os impostos e tarifas aumentaram e foram criados outros tributos; foram suspensos os incentivos fiscais não garantidos pela Constituição. Foi anunciado um corte nos gastos públicos, também se reduziu a máquina do Estado com a demissão de funcionários e depois houve privatização de algumas empresas estatais. O plano também previa a abertura do mercado interno com a redução gradativa das alíquotas de importação.
 
Assim, as empresas foram pegas de surpresa com este plano econômico e, sem liquidez, pressionam o governo. A ministra da economia Zélia Cardoso de Mello, faz a liberação gradativa do dinheiro retido, denominado de "operação torneirinha", para pagamento de taxas, impostos municipais e estaduais, folhas de pagamento e contribuições previdenciárias. O governo libera os investimentos dos grandes empresários, deixando retido somente o dinheiro dos poupadores individuais.
 
Ao terminar a explanação, Fernandes fez uma pausa proposital. Na expectativa do que viria a seguir, todos continuavam de olhos e ouvidos atentos. No domínio da situação, o advogado pegou um copo com água e tomou calmamente quase a metade. Depois, olhando bem para os presentes, ele prosseguiu com sua tese.
 
- Passaram, então, os dezoito meses necessários para liberar os soldos retidos. Muitos empresários e políticos, sub-repticiamente, já recuperavam os valores confiscados. Mas um inimigo tão nocivo quanto o plano Collor ainda está baforando em nossos cangotes, pressionando-nos de todos os lados: a inflação. Por diversas vezes, ela tem tolhido o nosso crescimento, isto é, quando não sabemos administrar bem os nossos negócios. Num ato ambicioso e ariscado, ouso dizer agora que alguns dos senhores deixaram de pagar as suas contas e estão fechando seus negócios ou mesmo vendendo os seus bens para depositar o forte deste dinheiro na captação dos juros do dia. Isso é suicídio!
 
Fernandes parou, de novo, conferindo a papelada que estava à sua frente e prosseguiu:
 
- Provavelmente, muitos dos presentes devem estar se perguntando qual é o objetivo dessas informações todas. Bem amigos, esta explanação nos ajudará a entender que muitos planos estão sendo elaborados para tirar o país da situação financeira em que ele se encontra; que ninguém permaneceu de braços cruzados somente esperando para ver no que vai dar, pois todos querem encontrar uma solução. Quando vocês nos procuraram foi por terem certeza de que tinham um real problema administrativo. Nós, então, analisamos as empresas de cada um mostrando-lhes a fonte do problema e também a melhor solução - o que levou muito tempo e trabalho, além de grande demanda de profissionais especializados. Isto tudo, por sua vez, gerou-nos altos custos que precisam ser prontamente ressarcidos! Qual solução vocês sugerem?
 
Todos começaram a falarem entre si. Pacientemente, Fernandes esperou que alguém se manifestasse e apresentasse alguma sugestão criativa. Em meio ao burburinho, Eleonora, da academia Aesthetics & Good Shape, afinal resolveu sugerir a sua ideia:
 
- Creio que uma forma viável para todos seria pagarmos o saldo devedor em duas parcelas, mas sem a correção do mês vigente.
 
Um silêncio geral estabeleceu-se. Alguns faziam cálculos em busca de números e de paliativos para apresentar, mas nada lhes pareceu melhor do que aquilo já proposto por Eleonora. Passados alguns minutos, dez das pessoas presentes deram um parecer favorável à ideia de Eleonora; os demais, por não terem nada melhor a oferecer, aquiesceram prontamente.
 
Satisfeito com a solução encontrada, Fernandes deu a reunião por encerrada.
 
 

 

 

 
Felipe Felix
Enviado por Felipe Felix em 15/02/2019
Alterado em 21/02/2019
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